Crítica | Festival

Um Minuto é uma Eternidade para quem Está Sofrendo

Muito além de coragem

(Um Minuto é uma Eternidade para quem Está Sofrendo, BRA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Fábio Rogério, Wesley Pereira de Castro
  • Roteiro: Fábio Rogério, Wesley Pereira de Castro
  • Elenco: Wesley Pereira de Castro, Rosane Pereira de Castro
  • Duração: 60 minutos

A frase que batiza o filme, Um Minuto é uma Eternidade para Quem Está Sofrendo, é dita pelo seu protagonista em um dos muitos momentos onde o carrinho da montanha-russa emocional que ele é, está se posicionando para o alto. Eu usei uma montanha-russa como descrição? Permita-me corrigir, então: o mais apropriado seria tsunami, furacão ou vulcão. Forças da natureza imprevisíveis e incontornáveis, o mais próximo possível de um desastre ambiental que passa com energia sem igual deixando um rastro de destruição por onde passou. Esse é Wesley Pereira de Castro, ou melhor, WPC – para os mais próximos, Wesley. Ao lado do experiente Fábio Rogério, Wesley corajosamente expõe sua existência, como se o furacão voltasse depois para contar o número de baixas que ele causou e o próprio divulgasse seu caráter auto destrutivo. 

No lugar de observação que o filme emprega, a si mesmo, poucos conseguiram ir tão longe. Um dos chamados ‘filmes do eu’, onde a primeiríssima pessoa é o centro de tudo, de todas as discussões e olhares, não é incomum filmes como esse aportarem em Tiradentes, mas existe uma radicalidade no tratamento coletivo que Um Minuto é uma Eternidade para quem Está Sofrendo representa, e que mostra um novo cinema possível, e que não somente é desse jeito por falta de opção, mas principalmente porque deseja sê-lo. Nesse sentido, algo como Lembro Mais dos Corvos (de Gustavo Vinagre – e Julia Katharine) soa como um ensaio para o que Fábio e Wesley realizam aqui.

O que não tira da nossa cabeça o lema de Tiradentes esse ano, ‘que cinema é esse?’, e nos envia diretamente para a seleção, em 2018, de Leona, a Assassina Vingativa 4 para a exibição na praça, aqui. Tendo visto alguns outros títulos desse ano que lidam sempre com esse documentário em primeira pessoa, ainda assim o que se consegue aqui não tem uma base de comparação, justamente porque estamos diante de um alguém sem igual. Wesley, o que se situa na frente das câmeras, é um colosso de personagem, porque seu tamanho é inimaginável. O diapasão é tão grande, que simplesmente podemos perder o arco principal, até por não ser um arco único. Sem sequer ameaçar abraçar o todo, a impressão que temos é a de que nem todo o tempo do mundo seria suficiente para decifrá-lo – muito menos esgotá-lo. 

Não há como colocar de lado a coragem desse personagem não apenas em se expor no ambiente virtual, mas em como é ainda mais surreal as suas perspectivas em relação a um filme, ou seja, exposição ainda maior. um dos maiores acertos do filme é a escolha de sua dupla de autores em não paternalizar seu protagonista, e sim mantê-lo ao alcance da desconstrução. A visão que podemos ter dele, de sua realidade, de seu invólucro social, é rapidamente desmontada a partir da postura do seu protagonista, porque ele ressignifica o ambiente onde vive, além de trazer proximidade a uma fatia social que não pode ser vista como exceção, até por não ser mesmo. Aos poucos, o convite informal de Wesley para que cada segmento de sua vida seja esmiuçado, é devidamente aceito por quem embarcar na viagem. 

O frescor de Um Minuto é uma Eternidade para quem Está Sofrendo reside no lugar onde hoje seus autores estão envolvidos, com oportunidade coletiva de estar no mesmo espaço para outros filmes. É praticamente impossível não se deixar levar pela certeza da popularização do material audiovisual, que amplia em lugares como Tiradentes suas possibilidades de debate, do entendimento de que anda faltando. O resultado se recusa a ser chamado de ‘compilação de vídeos para o instagram’, justamente por criar um material de comunicação entre os vídeos, e também sua comunicação conjunta enquanto obra. Existe um fascínio pelos excessos de Wesley, e que estão impressos na tela de maneira muito feliz, sem julgamentos. 

Sem dúvida Um Minuto é uma Eternidade para quem Está Sofrendo pode ter inúmeras leituras, inclusive de algum tipo de glorificação da depressão ou de quaisquer outros signos a respeito de percalços de fundo emocional. O que não consigo enxergar tais possibilidades, porque a obra é fruto da consciência do artista justamente afetado diretamente por isso, que se mostra muito maduro para reler um possível estado de desconexão mental ou social. No lugar de algo vitimizante, temos uma obra equilibrada e de montagem muito requintada acerca de alguém que se vestiu de arte para conseguir olhar para os próprios demônios. Companheiro de profissão, com o filme mostrando seu lugar de origem enquanto assiste a obras como Branco Sai, Preto Fica e No Coração do Mundo, estaremos perdendo um crítico de cinema para ganharmos um diretor tão sensível quanto? Só o tempo poderá mostrar seu próximo capítulo.

Um grande momento

As tartarugas tentam subir

[28ª Mostra de Cinema de Tiradentes]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

0 Comentários
Mais novo
Mais antigo Mais votados
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo