Crítica | Catálogo

Uma Vida: A História de Nicholas Winton

O ator certo

(One Life, RUN, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: James Hawes
  • Roteiro: Lucinda Coxon, Nick Drake
  • Elenco: Anthony Hopkins, Johnny Flynn, Lena Olin, Helena Bonham Carter, Romola Garai, Alex Sharp, Jonathan Pryce
  • Duração: 105 minutos

Em tempos onde o tradicional “filme sobre a Segunda Guerra Mundial” foi obliterado pela estreia de Zona de Interesse, mostrando que existe sim um olhar que traga originalidade a formatos tão engessados, é curioso que o circuito consiga absorver Uma Vida: A História de Nicholas Winton. É exatamente desse filme que vem à cabeça quando tratamos o tema, embora eu particularmente ache que, em seus maiores desvarios, algo como esse filme nunca chegou a fazer barulho dentro dessa seara específica. No entanto, quando lembramos que a Academia há pouquíssimo tempo premiou nulidades como Green Book e No Ritmo do Coração, todo cuidado é pouco; a hiena da mediocridade sempre estará desperta para voltar a atacar. Quando para de olhar para o óbvio, no entanto, o filme parece ter algo a contar, com o melhor porta-voz possível.

O óbvio é a jornada do herói mais desgastada que se tem notícia, quando um jovem britânico vai até Praga e toma conhecimento de que a Tchecoslováquia aceitava a entrada de crianças judias às vésperas do início da Segunda Guerra. Faziam isso para proteger o futuro de recorte de povo que seria exterminado nos anos seguintes, tendo a coragem de se portar contra Adolf Hitler e seus asseclas. O rapaz passa a ajudar nas operações com todo o perigo que cercava tais eventos, e contabilizou o impressionante número de 669 crianças salvas. Tudo isso é tratado da maneira mais burocrática e sem emoção possível, quase como se estivéssemos em uma obrigatória aula de História do qual preferíamos fugir; não creio que essa seja a intenção de Uma Vida: A História de Nicholas Winton.

Provavelmente a intenção seja a de contar essa existência ilibada, verdadeiramente inspiradora com o maior interesse possível, mas tudo que é a ação que motiva o filme, não tem desenvolvimento que nos encante. São passagens atravancadas de ação, mas que não se aprofundam na personalidade de Winton; o que temos em cena são as atitudes, tão memoráveis quanto a dos outros personagens que o ajudam. O que faz dele exatamente elevado aos seus companheiros, é algo que essas passagens do passado não dão conta, ou traduzir de maneira engessada uma situação extraordinária. Graças a um trabalho de montagem muito ruim de Lucia Zucchetti (que brilhou na mesma função em A Rainha), dois tempos são intercalados pelo roteiro de Lucinda Coxon e Nick Drake para Uma Vida: A História de Nicholas Winton que igualmente não é bom, onde o outro período se sobrepõe de maneira absoluta.

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É nesse segmento paralelo que encontramos a razão pelo qual Uma Vida: A História de Nicholas Winton existe: sempre ele, Sir Anthony Hopkins. Em 1987, Winton precisa de espaço em sua casa para receber a filha, e para isso objetos do passado precisam de circulação. É dessa maneira prosaica e pouco animadora que o homem que pode se comparar a Oskar Schindler resolveu acessar os documentos que provaram seu feito, para ele algo importante que ficou no passado. É a partir do acesso a esse olhar humilde a respeito de sua bravura, que o filme ganha força insuspeita. Ao travar um encontro com alguém profundamente humano em sua simplicidade, vem à tona a grandiosidade de um homem que não procurou glórias, mas apenas salvar vidas. 

James Hawes é um diretor que somente agora, três décadas de trabalho depois, assina sua primeira produção cinematográfica. Percebe-se pelo andamento de sua atividade aqui, que os anos de filmes para TV e inúmeras séries (algumas importantes, como Black Mirror e Slow Horses) o transformaram em um profissional de mercado, sem qualquer ambição maior. A delicadeza de compreender exatamente o que era o mais apaixonante de Uma Vida: A História de Nicholas Winton vem da minúcia com o qual seu ator encara aquela banalidade onde está inserido, que vai sendo demolida conforme a História invade seus dias pacatos. Quando enfim sua rotina é assolada pelas revelações fabulosas com o qual contribuiu, tudo ganha cor e detalhamento, graças à entrega memorável de um ator que compreende qual o tom contribuir para o engrandecimento de todo seu arco dramático. 

Apesar das presenças igualmente estelares dos indicados ao Oscar Helena Bonham Carter, Lena Olin e Jonathan Pryce (e a cena entre eles nos remete imediatamente ao infinitamente superior Dois Papas), é de obra exclusiva de Hopkins todo o interesse que Uma Vida: A História de Nicholas Winton provoca no espectador. Um ator de recursos ilimitados e que tira da burocracia absoluta uma obra que parece muito satisfeita com ela. 

Um grande momento

Na plateia do programa pela primeira vez

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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