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Vai e Vem

A nau dos convertidos

(Vai e Vem, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Chica Barbosa, Fernanda Pessoa
  • Roteiro: Fernanda Pessoa, Chica Barbosa
  • Elenco: Fernanda Pessoa, Chica Barbosa
  • Duração: 82 minutos

Fernanda Pessoa e Chica Barbosa, duas experientes cineastas, abriram o Olhar de Cinema versão 2022 com um filme repleto de ideias, informações e inspirações. Vai e Vem é um experimento em prol de inúmeras inquietações da atualidade, principalmente a reconhecida (e justa) revolta diante dos últimos governos de extrema direita no Brasil e EUA, que conversa com as vozes de muitas autoras do cinema de experimentação narrativa ao longo da História, tais como Barbara Hammer e Paula Gaitán. A textura utilizada por essas autoras é reconstituída aqui a cada novo bloco, criando uma identidade coletiva que ajuda o filme a perceber sua própria distinção específica. Na base do cinema que descobre em si, a produção interessa-se por uma busca incansável a algo em pleno processo de adequação. 

Motivadas pelo afastamento também provocado pela pandemia (Fernanda estava no Brasil, Chica em Los Angeles), as duas se propõem a enviar cartas visuais uma à outra, revendo suas situações e dissecando os espaços geográficos onde estão inseridas. Uma latino-americana vivendo nesse lugar estrangeiro, e uma brasileira vendo sua terra cada vez mais estrangeira aos seus olhos. Suas relações paralelas com a explosão política atual e em como isso as afeta direta ou indiretamente é a base de todo o processo que o filme evidencia, em questões tão verdadeiras e próximas, quanto ausentes de novidade. As autoras não estão em um processo de descoberta de cada colocação feita; tudo já está muito bem esclarecido e assimilado, inclusive junto ao espectador. 

Nasce aí um grupo de ruminações que é exacerbado, e que não consegue imprimir unidade ao tanto de leituras que pretende fazer. Na verdade, não há uma mola necessariamente consciente a respeito do projeto, mas uma vontade de realizar indiscriminadamente; o que se acumula do resultado de tantas ideias não encontra amarrações adequadas. São muitas divagações até interessantes, que cabem em versão isolada às outras situações; unidas, não percebemos o sentido de que a inclusão dos excessos no projeto se define como absolutamente necessário. Sobram passagens e personagens, e isso não porque lhes falte campo de interesse, mas porque, em quantidade demasiada de apresentações, o filme não consiga fazer jus ao que suas falas acabam por representar. 

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Um exemplo perfeito é a presença (muito bem-vinda) de uma personagem trans no filme. Quando essa base é revelada, Vai e Vem não consegue deixar de mostrar o quanto ele desperdiçou de tempo e espaço até conseguir se debruçar por alguém que precisava ter mais voz. Seu relato emprega leveza e veracidade a um desdobramento que o filme ainda não tinha acessado, e igual a ela, tantas outras mulheres parecem vagas em relação ao todo, principalmente se levado em consideração o potencial de tudo ali para se alinhar nos exatos direcionamentos empregados no filme. Como se todo o possível tivesse sido feito para representar cada uma das fatias em cena, mas uma edição de material (e de perfis) era necessário para que se situasse como um sucesso de leitura e foco. 

Há uma ingenuidade no que apresentam aqui as diretoras, que pode ter sido até proposital, mas que não conversa de forma alguma com filmes muito maduros que elas já entregaram, como Histórias que nosso Cinema (não) Contava e Madrigal para um Poeta Vivo. Aqui, vemos um dispositivo interessante ser utilizado de maneira desregrada, que acaba por marcar Vai e Vem como uma produção para iniciados, e convertidos. Ainda dentro dessa leitura, a suculência que poderia ter sido apresentada diante da proposta estabelecida, não encontra pauta possível, levando em consideração o viés sendo diluído ao longo da projeção. O que resta na superfície, afinal, é um choque entre o que estava em jogo e a vontade pura e simples de parecer acessível a qualquer custo, aí mirando em um universo muito aquém de suas potencialidades. 

A investigação informal acerca das peculiaridades estéticas envolvendo as pioneiras da experimentação não é amplamente realizada, porque o filme enviesa seu tratamento e parece ter interesse difuso a esse contexto. Estamos diante de uma ideia experimental que, então, se distancia de suas próprias definições. Tudo isso porque Vai e Vem tem ânsia de comunicação, precisa reverberar tantas insurgências emocionais e concretas que deixa escorrer por terra uma espécie de coerência fílmica, que suas autoras perseguem com êxito momentâneo.

Um grande momento
Engolindo Hollywood

[11º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Cinema]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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