Crítica | Festival

Agreste

Três lados

(Agreste , BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Sergio Roizenblit
  • Roteiro: Newton Moreno, Marcus Aurelius Pimenta
  • Elenco: Badu Morais, Aury Porto, Luci Pereira, Roberto Rezende, Jaedson Bahia, Mohana Uchôa
  • Duração: 101 minutos

Ainda estamos na metade da competição de longas do Cine PE 2023, mas será uma surpresa se encontrarmos uma vontade tão frontal pelo risco quanto Agreste, experiência daquelas onde vemos a opção pela queda no abismo assumido por todas as frentes de uma produção. Adaptação de uma obra teatral de imenso sucesso de Newton Moreno assinada pelo mesmo na transposição, esse é o primeiro sintoma no lugar de ambição formal, ao ter que desestruturar toda a ideia que se tinha para o palco, agora em formato menos alegórico – ainda que a alegoria persista em cena. Ao escolher domar esse cavalo selvagem, o diretor Sergio Roizenblit parte com a consciência dos muitos riscos que precisariam ser amansados, e como o resultado teria, acima de tudo, uma recepção subjetiva; mais que a proposta habitual de outro filme. 

Roizenblit é paulistano mas, como o título de seu filme entrega, se embrenhou no sertão para realizar uma produção que passa longe do comum, e/ou habitual dentro do nosso cinema. Agreste é um olhar de acabamento sofisticado não apenas para sua geografia, mas principalmente para a manutenção de uma prosa trazida por Moreno, de identificação direta com o lugar de onde se situa. Trata-se de uma prosódia característica profundamente local, que afasta o filme do que nos acostumamos ver nas novelas globais. Embora demore a marcar presença – o prólogo do filme não têm diálogos – essa construção geral do que é apresentado verbalmente por seus personagens é o que mais facilmente situa o espectador dentro da narrativa, submerso pela força da riqueza de seu teor.

Não há exotismo em Agreste, na ideia do que a montagem faz com tais imagens e do que explora em cada corpo, ou cada espaço. A busca da direção aqui não é por um painel exotificante da natureza, ou do sertanejo, mas sim uma tentativa de espelhar no plano referências verdadeiras de como amplificar cada momento dessa investigação humana e espacial. O trabalho do fotógrafo Humberto Bassanello (de Segundo Tempo) é tão complexo, que uma assistida apenas não se faz compreender todas as nuances de luz e composições de plano que são concebidas por ele. Além disso, ao manter dentro dessa pesquisa um molde de exemplificação que se aproxima bem mais de uma realidade – mesmo que o real não exista – o filme também se arvora nessa direção de opções. É como olhar cada ator em cena, o perceber na colocação de plano, e não conseguir distinguir onde terminam os seres e onde começa a geografia, seja ela mais amplificado ou mais diminuta. 

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É uma lógica quase particular a que é aplicada por Roizenblit. Não estamos diante de uma pretensão global industrial, como uma Renascer, mas também não se trata de um mero experimentalismo de Luiz Fernando Carvalho, como em Hoje é Dia de Maria. Também não é o realismo extremo, tampouco se trata de um olhar poético sobre a caatinga e seus reféns de um sol incessante. A proposta de Agreste é de conseguir um hibridismo entre suas tantas variantes, mas sempre buscando uma aceitação que nos carregue para dentro de cada espaço. Aos poucos, nos vemos enlaçados nesse conceito romântico de um encontro com um destino que parece redefinir cada história, apagando as dores que são inerentes aos lugares onde estamos inseridos. 

Passada a primeira parte da produção, o que começamos a ver é um caminho rumo ao melodrama, uma aceitação de algo maior do que está no porvir de cada um. O tamanho do que se aproxima não aumenta a narrativa em matéria de escala, mas no abraço que parece ser procurado por um esquema de novelização. Agreste nega as condutas do televisivo, servindo a lógicas próprias e originais, para nos últimos 40 minutos a imagem e a narrativa cedessem à algum lugar comum. A imagem perde a textura e a narrativa se assenta rumo a uma observação pela ausência, como se estivéssemos assistindo a uma (vejam só!) novela, cujos valores de produção são altos, mas ainda assim. A trama é conduzida na direção do sossego do que poderíamos imaginar, e isso difere bastante do início de sua aventura. O que não diminui o fogo das imagens é o trio Roberto Rezende, a estreante em longas Badu Morais, e o talento desconcertante de Luci Pereira. 

Se o desfecho de Agreste provocará alguns muitos protestos, pela forma como foi caracterizado seu discurso, creio na propensão à autoralidade e de cada significado subjetivo às suas decisões. O que me incomoda de verdade, bem mais do que os finais de Maria e Etevaldo, é a forma como a produção parece já ter mostrado material o suficiente, e resolve descansar. O conforto faz muitas vítimas, e uma delas é a falta de empenho, ainda que momentâneo. Se o filme vai arrumar muitas pedradas em sua direção mediante a grande revelação do fim, os aspectos representativos do qual o filme peca por escolha própria não fazem mais sentido algum ser incorrido. É outra mácula de uma produção que nos impressiona durante a maior parte do tempo, para cima e para baixo, mas que não pode tentar replicar uma ideia de 20 anos atrás achando que não teríamos uma evolução natural dos costumes. 

Um grande momento

O balé da primeira noite

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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