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3 Faces

(سه رخ, IRN, 2018)
  • Gênero: Drama
  • Direção: Jafar Panahi
  • Roteiro: Jafar Panahi, Nader Saeivar
  • Elenco: Behnaz Jafari, Jafar Panahi, Marziyeh Rezaei, Maedeh Erteghaei, Narges Delaram
  • Duração: 100 minutos

Há 40 anos, a Praça Jaleh, em Teerã, foi o palco da Sexta-feira Negra. O evento é tido como um dos principais estopins da Revolução Iraniana, que depôs o líder Reza Pahlevi e, pouco depois, legitimou o governo teocrático, levando ao poder o aiatolá Khomeini. Era a Revolução Islâmica. O reflexo dessas mudanças e da ainda imperante ditadura religiosa fazem parte do cinema iraniano. Não só na vida daqueles que fazem cinema, como, obviamente, nas histórias contadas nas telas.

Os dois vieses são claros em 3 Faces, novo filme de Jafar Panahi, um cineasta perseguido há anos pelo regime. Com tom documental, o diretor busca a ficcionalização para falar de resistência e decepção, principalmente no que diz respeito às mulheres e à profissão de atriz. Porém, sem deixar de lado sua própria situação e o cinema como um todo, em inovações, limitações e homenagens.

Logo nos primeiros momentos conhecemos Marziyeh Rezaei, em seu ambiente, em sua linguagem. Usando uma faixa vertical da tela, característica de tantos snaps e stories produzidos em celulares atualmente, temos contato com o desespero da garota: ela quer entrar para o conservatório de teatro, onde foi aprovada, mas a família rejeita a ideia, preferindo que ela se case. O vídeo, que termina tragicamente, é direcionado à famosa atriz Behnaz Jafari. Esta pede ajuda a Panahi, que a leva até a vila de Razaei e lá conhece a terceira face de seu filme.

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3 Faces

3 Faces é um road movie cativante. Em seu sinuoso e estreito percurso, vai trazendo questionamentos e inversões que vão muito além da trama, mas sem nunca abandonar o suspense por trás da busca. Personagens e situações se acumulam nesse jogo de descoberta exterior e contestação interior; de integração com o que há de humano e social ali, e recolhimento. Tudo sem deixar de observar a inovação de planos e a construção cênica que marcam a carreira do diretor.

Tantas camadas e caminhos estão muito bem costurados no roteiro escrito pelo próprio Panahi em parceria com Nader Saeivar e premiado em Cannes. A trama consegue transitar entre várias emoções e permite-se na pluralidade de tons de seus personagens, com apostas acertadas no humor.

Com tanto cinema em si, 3 Faces é uma homenagem a toda uma criação cinematográfica pré-regime e um estímulo à resistência artística, que não desiste a despeito das mais variadas dificuldades. Cinema que se gosta de ver e que fica na cabeça por muito tempo. E tem, ainda, uma linda homenagem a Abbas Kiarostami, falecido recentemente, com a reconstrução de uma de suas mais belas e marcantes cenas.

Um Grande Momento:
“Vou caminhando.”

[42ª Mostra internacional de Cinema de São Paulo]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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