(Ascenseur pour l’échafaud, FRA/ALE, 1958)
Direção: Louis Malle
Elenco: Jeanne Moreau, Maurice Ronet, Georges Poujouly, Yori Bertin, Jean Wall, Elga Andersen, Sylviane Aisenstein, Micheline Bona, Gisèle Grandpré, Jacqueline Staup, Gérard Darrieu
Roteiro: Noël Calef (romance), Louis Malle, Roger Nimier
Duração: 91 min.
Nota: 9
Um homem apaixonado é capaz de fazer qualquer coisa por uma mulher. O cinema nos mostra essa realidade desde os seus primórdios até os dias de hoje. É a paixão que faz com que o personagem de George O’Brien queira matar sua esposa para ser feliz ao lado da amante no clássico Aurora, e é o mesmo sentimento que move os impulsos de Caleb para libertar Ava e levá-la com ele em Ex Machina: Instinto Artificial.
De todas as produções que abordam o tema, uma grande maioria vai atrás daquele poder – quase considerado mágico – que a mulher tem sobre o homem, de manipulá-lo e levá-lo a cometer loucuras com o despertar da paixão, pobrezinho do rapaz. Enquanto na maioria dos filmes elas os usam para conseguir chegar a seus objetivos, em uma pequena parcela também estão apaixonadas e só querem viver o seu amor.
É assim em Ascensor para o Cadafalso, dirigido por Louis Malle, e de grande influência em um dos movimentos mais importantes da sétima arte, a Nouvelle Vague. Criado por críticos da renomada revista “Cahiers du Cinema” em um momento de estagnação do cinema francês, a “nova onda” francesa começou um movimento mundial de busca por um cinema mais moderno e inventivo. Ainda que nem sempre o cinema de Malle possa ser associado às características da Nouvelle Vague, há muito dele no cinema pelos outros produzido.
Enquanto Claude Chabrol lançava, em 1958, Nas Garras do Vício e dava início a essa nova onda, Ascensor para o Cadafalso chegava ao cinema no mesmo ano. Assumindo o caminho de thriller noir sombrio, é possível perceber o entusiasmo que animou o cinema francês no final dos anos 1950. Mesmo que se assumam e destaquem as diferenças da Nouvelle Vague, é impossível não perceber as influências dos filmes de Malle em tantos outros produzidos por seus contemporâneos, como François Truffaut e Jean-Luc Godard.
Tanto que Malle recebe agora uma merecida homenagem do festival digital My French Film Festival, que acontece até o dia 18 de fevereiro. O longa de estreia do diretor estará disponível para ser assistido junto com os filmes selecionados neste ano.
Ascensor para o Cadafalso conta a história de Julian Tavernier, um ex-militar que trabalha como espião na Indochina, e Florence Carala, esposa do chefe do amante. Apaixonados, os dois planejam minuciosamente a morte do Sr. Carala para poder viver seu grande amor, mas as coisas saem diferentes do planejado.
A força do filme está no roteiro bem amarrado, adaptado do romance de Noël Calef e escrito pelo próprio Malle com ajuda de Roger Nimier, que usa o texto para descrever Tavernier e as imagens para retratar Carala. Em uma sucessão de erros, o espectador assiste angustiado ao que acontece com aquele homem, ou melhor, o que acontece a sua reputação. Culpado por um erro, ele acaba sendo envolvido em vários outros, mesmo que não possa ter realizado nenhum deles.
Malle usa muito bem o jogo de onisciência e superioridade do espectador sobre os personagens. Enquanto um não sabe de nada e quer se livrar do que se passa com ele, o outro tem consciência de tudo e consegue inclusive antecipar – de forma positiva – os próximos acontecimentos. Sem perceber, quem não está na tela torna-se uma espécie de cúmplice, que não consegue fazer outra coisa a não ser torcer pelos personagens.
Ao trabalhar com a manutenção da tensão, o diretor cria uma espécie thriller dramático psicológico, que mistura referências a mestres do cinema existencialista, como Robert Bresson; e mestres do suspense, como Alfred Hitchcock. O sentimento criado pela história consegue se manter por todo o tempo do filme, além de ainda ganhar alguns toques especiais com cenas como a do esquecimento da chave pelo zelador. Sem exageros, sem utilizar muitos truques e baseando-se apenas no texto e nas possibilidades cinematográficas de realizá-lo audiovisualmente.
A simplicidade e naturalidade da mise-en-scène de Malle também não pode ser ignorada. Embora fossem os primeiros passos do diretor no formato longa-metragem, e com um novo modo de se construir o filme, o longo e angustiante passeio da bela Jeanne Moreau pelas ruas de Paris é uma coisa tão próxima e crível que traz uma força extra ao filme. Sem falar no uso muito preciso da trilha sonora composta por Milles Davis especialmente para o longa-metragem.
Há ainda outros muitos acertos a serem destacados. As atuações de Moreau e Maurice Ronet como o casal principal, a direção de arte cuidadosa de Jean Mandaroux e Rino Mondellini, e a montagem de Léonide Azar são alguns deles. Mas não há como falar do filme e não citar a precisão com que Henri Decaë conduz a câmera, em um filme que usa o tempo todo luz e sombra para estabelecer sua aura, onde o escuro da noite contrasta com letreiros neon e luzes que dela fazem parte. É, simplesmente, lindo.
Mesmo que menos considerado do que deveria, Ascensor para o Cadafalso marcou o cinema mundial e mostrou como era possível fazer um cinema tenso sem utilizar métodos indutivos e manipuladores e, ao mesmo tempo, aprofundar-se na condição humana. Há no filme suspense, renovação e uma liberdade que andavam fazendo falta para a arte daquela época. Um filmaço que merece ser conhecido por todos.
Um Grande Momento:
O vagar de Florence pela noite de Paris.
Links
[My French Film Festival 2016]