Crítica | Outras metragens

Altas Horas

(Nuit Debout, COD, BEL, 2019)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Nelson Makengo
  • Roteiro: Nelson Makengo
  • Duração: 21 minutos

É noite no Congo. Numa comunidade periférica, as pessoas são abandonadas à própria sorte por um governo que insiste em não olhar para elas. Já não basta tê-las empurrado cada vez para mais longe da cidade, agora tira a sua luz. Altas Horas é um filme sobre o manter a própria luz, mesmo que insistam em apagá-la.

O diretor Nelson Makengo encontra um meio inusitado para compor seu documentário. Fora do padrão, limita sua janela, mostrando a falta de espaço – literal ou não – dessas pessoas, e divide a tela em três. Quem fala, fala por muitos, mas ao mesmo tempo é no contraste de imagens que se escancara a marginalização da comunidade retratada.

Altas Horas

Altas Horas vai além de suas imagens repetidas e contrapostas e as complementa com a fala. Nas entrevistas, Makengo é hábil na criação da intimidade, e encaixa bem as intromissões externas. Ele surpreende, por exemplo, quando justificadamente encena a reação às falácias demagógicas com gritos de amém.

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É preciso que se saiba a realidade sobre a distribuição de energia no país africano, onde hoje mais de 500 milhões de pessoas estão no escuro. A solução, segundo o governo, está na construção da hidrelétrica do Inga, a um preço exorbitante, claro. A montagem de informações traz a tensão ao curta.

Altas Horas

Uma tensão amplificada frente à falta de esperança daquela comunidade, que vê ao fundo toda a cidade iluminada. Em seu cotidiano, sabe que nada daquilo é para ela. E o diretor transforma essa incredulidade em imagem. Ali, na penumbra, ao som constante do gerador, destaca vozes e vidas sufocadas por um barulho que elas tiveram que aprender a ouvir

Afinal de contas, estão em um país que não é capaz de lhes fornecer o básico. É a exclusão pela exclusão, o desprezo humano multiplicado, assim como está impresso na tela, e vai além do continente. Anoitece no Congo, e no mundo, para milhares de pessoas que, ainda assim, insistem em manter a própria luz.

Um grande momento
As lanternas.

[31º Curta Kinoforum]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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