- Gênero: Drama
- Direção: Halder Gomes
- Roteiro: Halder Gomes
- Elenco: Chico Diaz, Maria Fernanda Cândido, Samantha Müller, Gracinda Nave, Matamba Joaquim, Duarte Gomes, Fernando Rodrigues, Heitor Lourenço, Paulo Pascoal, Rodrigo Paganelli
- Duração: 135 minutos
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Não podemos negar que sobre coragem a Halder Gomes. Popularizado por longas metragens de comédia rasgada muito bem sucedidas, como Cine Holliúdy e O Shaolin do Sertão, o cineasta revitalizou o humor nacional, combalido por repetitivas comédias produzidas sobre a chancela da Globo Filmes. Além disso, nos recordou das raízes cômicas do Ceará enquanto pólo produtor de humor no país e transformou Edmilson Filho em astro; não é pouco. Apesar do bem sucedido comercialmente As Mães de Chico Xavier ter vindo antes dessa sua explosão, ele ainda não havia se testado em um cinema mais ambicioso em estrutura dramática, de proposta cinematográfica rebuscada, tentando levantar o próprio sarrafo, e isso acontece em Vermelho Monet, longa rodado às vésperas da explosão pandêmica e lançado finalmente, no Cine PE 2022.
Toda a produção é um aceno de Gomes à uma vocação particular do artista à um chamado particular ao seu outro desdobramento artístico, a pintura. Vermelho Monet soa como uma prova de seu autor para uma erudição que soa desnecessária diante do que seu diretor já vinha trazendo de bagagem cultural com seu cinema dito popular, mas que nunca escondeu uma bem fundamentada análise sobre um cinema tratado como marginal. Gomes elevou como bem imaterial, em movimentação com o que também já fazem autores como Robert Rodriguez e Quentin Tarantino, uma filmografia que os inspirou enquanto cinéfilos, e que eles ressignificaram dentro de uma trajetória de sucesso comercial que nunca deixa de ser autoral. Logo, os movimentos de seu diretor, aqui, não contemplam um avanço artístico.
A experimentação feita é válida, os lugares por onde Gomes acaba por percorrer revelam uma instigação de artista incomodado com uma possível estagnação do mercado e da sua área de apresentação. Não existe como chamar Halder Gomes de um um profissional absorto em sua própria zona de conforto; não é apenas um movimento de interesse, mas uma busca por uma voz múltipla dentro de sua área. A celebração disso é necessária, porém a forma como ele caminha dentro do espaço “novo” de trilhos é acidentado, não pelo seu interesse específico, mas por uma mola propulsora do próprio Vermelho Monet. Não deveria existir (porém, sabemos do preconceito, existirá) um olhar enviesado para a escolha do seu autor nessa direção, mas sim do que a própria obra oferece em si.
Há o entendimento do lugar de investigação dos caminhos da arte, por onde se situa o campo artístico, e os meandros que se movem entre a criação de uma obra, os seus vetores e a difusão de seu resultado. Vermelho Monet, no entanto, quase se assemelha a um filme-coral, trabalhando elementos múltiplos para contar uma história cuja espinha dorsal é unificada. Mas esse segmento narrativo comumente corre riscos, de muitas ordens, e talvez a principal seja a da divisão do interesse entre seus gomos, e a forma como se despende suas barreiras de um lugar a outro. Não se trata exatamente de um mergulho nesse formato, mas são três blocos de eventos que existem em conexão uns com os outros, mas igualmente estruturam-se independentes – e com inflexões particulares.
Chico Diaz é um universo, Maria Fernanda Cândido é outro, e a estreando Samantha Müller é um terceiro. Esses três elementos da obra – o artista, a musa e a ponte, de forma ampla, de coisas que se conectam – são elaborados no roteiro de maneira interconectada e também independente, na tentativa de criar comunicações unitárias de cada área do processo. É interessante, por exemplo, que Müller seja ‘verde’, porque sua personagem também o é, e Gomes pode realizar uma cena que remeta, de alguma forma, a Cidade dos Sonhos, quando finalmente Florence se quebra na frente da câmera, e vemos a ATRIZ recebendo luz. Mas as passagens do roteiro que os une se mostram cada vez menos orgânicas, com a artificialidade sendo exposta de maneira muito expressiva, seja pelos diálogos pouco fluidos (tanto no academicismo quanto na intenção da coloquialidade), seja pela intenção de técnica fotográfica, que transforma Vermelho Monet num tubo de ensaio, com as misturas se mostrando aparentes.
Todo a premissa de Vermelho Monet é instigante, versa sobre um lugar pouco (ou nada) explorado pelo cinema brasileiro a respeito dessas várias camadas de metalinguagem dentro da arte, da produção até o consumo, incluindo a difusão. O que é essa tal arte, o que pode ser observado como movimento artístico dentro da falsificação, e o que envolve o material humano nessa ciranda de acontecimentos. O filme não consegue, no entanto, estabelecer um critério de organicidade entre tudo que se propõe; Diaz e Cândido, experientes e talentosos que são, conseguem imprimir mais verossimilhança que o restante do elenco. No geral, estão todos presos a um texto complicado de extrair veracidade, para tirar tais figuras da unidimensionalidade. Parecem mais arquétipos para a criação de uma tese, que não se elaboram com verdade e exatidão.
O que chama atenção de mais positivo no resultado final da produção é o apuro de Gomes em amplificar as potencialidades de sua obra pelo ponto de vista sonoro. A colagem que é feita das possibilidades de trilha sonora, clássica e contemporânea, soa estranhamente orgânica, como o material narrativo não consegue. Unir uma obra tão icônica de Tchaikovsky ao mundano de Donna Summer, passando pela reutilização de uma composição da dupla Kleiton & Kledir até chegar à harmonização de Raimundo Fagner para o poema de Florbela Espanca, é de profunda reflexão. Não é o caso de jogar em tela um mix de músicas conhecidas com nenhuma conexão com o material apresentado; Gomes consegue transformar tais momentos em seções especiais dentro de um filme errático, que respira sem a ajuda de aparelhos quando sua trilha sobe.
Por melhores que sejam as intenções, o resultado de Vermelho Monet é mais um acerto de experimentação que de conclusão, onde as saídas para a narrativa soam difusas e um tanto supérfluas, sem muito aprofundamento. No lugar dessa profundidade, principalmente para os personagens, sobram ideias vagas do que deveriam ser esses tais já citados arquétipos humanos, e suas situações igualmente arquetípicas. O filme também acaba caindo em clichês comuns do gênero, e o plot twist surpreendente do final (e que ainda soa inexplicado) também é antecipado por qualquer um que já tenha conferido outros exemplares do gênero. Um pacote onde o visual é edulcorado em sua plástica, mas cujo roteiro é uma colagem de excesso de tentativas.
Um grande momento
A festa à fantasia
[26º Cine PE – Festival do Audiovisual]