- Gênero: Animação
- Direção: Glen Keane, John Kahrs
- Roteiro: Jennifer Yee McDevitt, Alice Wu, Audrey Wells
- Duração: 95 minutos
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Já prestes a comemorar 10 anos, a Netflix tem se arriscado em todas as vertentes do cinema há algum tempo, e os resultados têm sido surpreendentes em grande parte das vezes. No campo das animações, ano passado eles chegaram a ameaçar a toda poderosa Disney/Pixar com um encanto de produção, a natalina Klaus, que não deu descanso para Toy Story 4 durante toda a temporada de prêmios. Esse ano, o estúdio do Mickey já tem em Soul um novo favoritismo, e a gigante do streaming mais uma vez pretende incomodar, dessa vez com o singelo A Caminho da Lua, que acaba de chegar à plataforma e que surpreende do início ao fim.
Coprodução sino-americana dirigida por Glen Keane, codirigida por John Kahrs a partir de um roteiro da saudosa Audrey Wells (autora de O Ódio que você Semeia), o filme é uma montanha-russa de emoção e de significados, todos muito urgentes e relevantes, principalmente ao universo infanto-juvenil. Regado a músicas irresistíveis no melhor estilo que a própria Disney ofertou ao mundo durante os anos 1990, o filme parece apontar para um lugar mais convencional da animação atual, tratando com realismo temas sociais que precisam ser discutidos em família, mas de uma meia hora inicial com os pés no chão, o filme se assume como fábula metafórica das mais surrealistas.
Fei Fei é uma adolescente órfã de mãe que tem as mais deliciosas lembranças de uma mulher muito dedicada à família, que partiu cedo demais e deixou sua única filha em estado preocupante em relação à sua ausência. Apegada às lendas que sua mãe contava a respeito da deusa Chang’e, que por uma dor profunda acabou prisioneira da lua, Fei Fei encontra uma última dose de esperança ao perceber que precisa provar a existência dessa figura mítica e partir ao encontro dela em sua morada – a própria lua. Na tentativa de mostrar ao pai como sua mãe não pode ser esquecida, ela tenta reproduzir suas perdas em uma lenda que pode (ou não) ser real.
Sem ler previamente a sinopse de A Caminho da Lua, o espectador pode se surpreender com o tom que a narrativa adquire, não somente assumindo um universo fabular, mas apostando em cores e formatos cada vez menos realistas até ser absorvido completamente pelo surrealismo, numa profusão de tons de amarelo, verde, azul e vermelho, criando um universo absolutamente sedutor não apenas para as crianças. Ao aceitar as peças do jogo instauradas pelo roteiro, o filme cria camadas de beleza técnica e uma variedade sem fim de possibilidades para sua paleta, ampliando sempre o campo lúdico da produção.
Como um jogo onde cada peça é apresentada aos poucos, a animação quase em seu clímax anuncia que seu desenvolvimento gira em torno da luta contra a depressão na juventude, que tem matado inúmeros jovens pelo mundo. O filme não trata o tema de maneira explícita durante toda sua projeção, e nem arregaça essa questão na hora em que a apresenta, mas com um pouco de sensibilidade entendemos a jornada de Fei Fei e o plano da posição fetal faz o arremate final sobre esse que é dos mais assustadores destinos de um jovem na atualidade. Sem resvalar na pieguice, o filme dá respostas muito delicadas para o tema, quase acalentando quem já passou por isso com um momento musical de arrancar muitas lágrimas.
A Caminho da Lua, na verdade, só não é uma produção de qualidade ainda mais elevada porque parece presa demais aos conceitos que a Disney criou de estrutura dramático-musical para seus projetos, que funcionam há décadas; entendam, o filme não se desenha como uma cópia de coisa alguma, muito pelo contrário, o projeto vende personalidade estética, mas a estrutura narrativa padrão impede esse foguete de atingir voos superiores. Ainda assim, deixa claro que a Netflix tem mais do que vontade de conquistar territórios, eles possuem as qualidades suficientes para produzir produtos sensíveis, extravagantes e divertidos como esse.
Um grande momento
Chang’e