- Gênero: Drama, Comédia
- Direção: Damien Chazelle
- Roteiro: Damien Chazelle
- Elenco: Margot Robbie, Brad Pitt, Diego Calva, Jovan Adepo, Jean Smart, Lukas Haas, Tobey Maguire, Eric Roberts, Olivia Hamilton, PJ Byrne, Katherine Watherston, Max Minghella, Jeff Garlin, Flea
- Duração: 185 minutos
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No preâmbulo para a reta final de Babilônia, um diálogo entre as personagens de Brad Pitt e Jean Smart define o que estávamos vendo até ali, não apenas na essência da obra, mas no ponto nevrálgico que Damien Chazelle queria alcançar. Apesar da homenagem e do amor claro à Sétima Arte, apesar da benevolência com a qual trata as muitas encruzilhadas do filme, apesar de entender o grau de sacrifícios que devemos fazer para realizar ou manter nossos sonhos, o que está apontando na nossa direção é a finitude. Talvez por isso tudo que vemos de apresentação seja feérico e marcante, porque esses flashes ficarão na memória de quem viu e viveu – um elefante invadindo um salão de festa, uma greve de ‘extras’, os quilos de cocaína servidos e consumidos, os amores, as perdas, o início e o fim.
Chazelle já não é mais o jovenzinho por trás de Whiplash, e em quatro títulos já pode contabilizar sucessos e fracassos para contar uma bela história de carreira. Não deve se ver no escaninho do passado que o seu filme mostra como inevitável, mas o que era promessa já se cumpriu, ou não. Depois do fenômeno La La Land, já presenciamos o advento O Primeiro Homem, filme que prometia muito, cumpriu um tanto, mas que a baixa bilheteria naufragou os planos mais óbvios. O diretor continua tendo-os, a prova é a ambição desenfreada de Babilônia, mas esse lugar é compatível com o espaço que o diretor quer adentrar: o cinema, aquele com o qual a personagem de Emma Stone sonhava, mas que só aqui é mostrado. É tudo grandioso, exótico, superlativo e escandaloso, como deve ser.
Babilônia tem sido atacado, e foi bem pouco visto; injusto. Fácil de ser comparado com Amsterdam (pela presença de Margot Robbie, pelo elenco vasto, por ser uma produção de época, pela comédia ter presença forte em cena), é melhor em absolutamente tudo, o que nem é um mérito per se. E as acusações até são pertinentes: de fato, Chazelle tem “filme demais” em cena, ou “de menos”, dependendo de como se observa. Subjetivamente falando, creio que para benefício da obra – e não do estúdio, ou do mercado – falta Babilônia em Babilônia. Ou seja, por mais que estejamos diante de robustos mais de 180 minutos de filme, pouca coisa foi suficientemente desenvolvida; o que chegou ao estágio mais profundo de desenvolvimento, não foi suficiente para dar conta da epopeia. Que era exatamente o que ele estava criando.
A verdade é que Babilônia possui quatro protagonistas, muito bem apresentados em seus suportes narrativos – Manny Torres, Nellie LaRoy, Jack Conrad e Sidney Palmer. Na necessidade de desenvolver com acuidade cada um desses personagens e suas demandas (internas e externas), o roteiro de Chazelle não obedece regras básicas de exposição. Ainda que reféns, vez por outra, de gatilhos narrativos, nenhum dos quatro consegue expor a totalidade de suas fragilidades. Há apuro em tudo onde há debruçamento, narrativo ou estético, o problema é a insuficiência para que os elementos consigam parecer mais do que sinônimos de outras realidades, artificiais ou verídicas. Assistir ao filme, e observar essa malha intransponível que não consegue unir todos os seus elementos de maneira orgânica, não soa incômodo, mas triste, porque sabemos onde tudo desandou.
Esse quarteto também poderia ser chamado de ‘cabeça de chave’ de cada uma das alas a qual Babilônia se dedica, dentro da cadeia cinematográfica e dentro da seara representativa também. Um homem branco, uma mulher, um latino e um negro; Hollywood, hoje ou há 100 anos atrás, tem tratamento diferente para cada um deles, mas se ocupa de colocar ao fim e ao cabo todos debaixo da mesma zona de destruição. Porque o vilão aqui é a própria máquina de construir estrelas e posteriormente esmagá-las; cada um dura o tempo que têm de durar. O que Chazelle também não consegue é, além de desenvolver arcos ainda mais abrangentes a esses tipos, é reverberar o personagem de Jovan Adepo com a mesma qualidade e com o mesmo tempo, fazendo acordar seus desafetos mais uma vez. Com o pouco que o filme empreende dele, já percebemos o caminho rico que poderia ser explorado aqui, dando voz a personagens cujo molde estava pronto.
Ainda assim, se tem algo que sobra da pena de Chazelle é fascínio, e Babilônia é sobre essa estranha magia que está entranhada em nós desde o início de cada tempo. O Cinema? Sim, e não. A mola construtora dos sonhos, da ânsia de sua realização, do medo de acordar dos mesmos, da luta para não retroceder a um ponto onde jamais se esteve. Mas também ele, o espelho mágico pelo qual tantos se deixam levar e são tragados, a tela grande transformadora maior que a própria vida, e o diretor sabe traduzir graficamente essa sensação. E essa é a diferença entre ser auto-laudatório, como Lars Von Trier, e enxergar na própria filmografia inspiração para elevar seus novos capítulos. A trilha de Justin Hurwitz, por exemplo, soa como um desdobramento dos acordes também compostos por ele para La La Land, que faz com que Babilônia também soe como um musical na sua escolha por ser costurado por uma mesma base musical, e por uma mesma estrutura sonora.
E é por esse ato carinhoso coletivo que Chazelle pode soar nojento, e não esbarrar na infâmia de Ruben Östlund e seu Triângulo da Tristeza; existe sim o grotesco, mas isso é reflexo de um mundo que eventualmente ressoa como tal, e não se veste assim. Como descer os degraus para uma Hollywood sombria e assustadora, e ainda assim voltar são, Chazelle não mede esforços para sua ópera-filme. Por isso erra, escorrega e cai, e se embanana nas imagens de Ingmar Bergman (O Sétimo Selo) e na admiração por Paul Thomas Anderson (Boogie Nights), em seu errático conto de ascensão e queda. É caleidoscópio de excessos, de vaidade e descontrole, mas que Babilônia consegue controlar por conta da vocação de seu diretor para ler à perfeição seus universos.
A sequência da primeira cena sonorizada sendo gravada e todo o bloco que envolve as gravações da manhã seguinte à festa de abertura são dois momentos agigantados que comprovam o quanto Chazelle pode não ter controle sobre o desenvolvimento de seus personagens, mas sobre a narrativa ele ainda impressiona. A repetição até as raias do insuportável no primeiro exemplo mostra a chave inumana que dizimou profissionais de diversos setores, em uma mudança que não foi absorvida rápido, mas que era exigido tal. O segundo exemplo, onde a montagem de Tom Cross e a luz de Linus Sandgren moldam um caminho de beleza e caos, é a prova do lugar arrebatador que o diretor consegue vender em Babilônia, e onde seu título melhor se justifica.
Ao descortinar toda essa voracidade por uma jornada deslumbrada e deslumbrante, Babilônia disseca seu veículo entregando a si mesmo uma cópia do que vê, e essa jogada é no mínimo inteligente e cheia de delícias para acompanhar. Que seja constantemente recordado que, apesar de todo o horror, calor, e toda a carnavalização, o Cinema alfineta a si e responde aos seus exageros (a cena do banheiro onde alguém pergunta “será que as pessoas querem o som?”, é de uma sagacidade estética implacável) com beleza e encantamento, isso basta. Para que conheçamos o motivo do arrebatamento que nos faz suspirar, para a emoção conseguida na montagem final, onde Manny reencontra o motivo de tanto amor, basta.
Um grande momento
O último encontro entre Jack e Elinor