Crítica | Cinema

Beau Tem Medo

No divã dos outros

(Beau Is Afraid, CAN, FIN, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Ari Aster
  • Roteiro: Ari Aster
  • Elenco: Joaquin Phoenix, Patti LuPone, Amy Ryan, Nathan Lane, Kylie Rogers, Denis Ménochet, Parker Posey, Zoe Lister-Jones, Stephen McKinley Henderson, Richard Kind
  • Duração: 179 minutos

A relação materna é um tema que está presente na obra de Ari Aster. Estava em Midsommar e ainda mais em Hereditário. Em 2014, estrelado por Bonnie Bedelia, o diretor trazia a questão para o centro da trama com o curta Munchausen. Com uma estética que remete às animações da Pixar, o filme retrata a relação obsessiva de uma mãe pelo filho, que está prestes a sair de casa para a faculdade. Beau Tem Medo volta a uma relação tão doentia quanto. Embora não chegue nos mesmos termos, a dinâmica que se estabelece de opressão e castração definem a pessoalidade do homem, seu jeito de lidar com o mundo e consigo mesmo.

O que leva a outro trabalho anterior do diretor, esse de referência mais evidente, o curta Beau, de 2011. Nele, o protagonista mergulha numa espiral de horrores e tem a viagem para visitar a mãe prolongada indefinidamente depois que as chaves da sua casa desaparecem. O medo desse homem, antes restrito a um apartamento, agora ganha possibilidades gráficas e de interação em sua representação. Como qualquer coisa ligada ao medo, há irracionalidade e imaginário nos quadros e é difícil estabelecer um limite entre o que de fato acontece ou apenas se passa na cabeça de Beau.

Beau Tem Medo
Diamond Films

Muito do filme, resultado de um roteiro do próprio Aster, provavelmente vem de questões individuais com a figura materna que buscam ser solucionadas na tela e, como tais, sofrem com o apego e a incontinência. Há, claro, um quê de universal que desperta o interesse, acompanhado de boas atuações e passagens inspiradas. Porém, a duração excessiva, com uma distribuição desequilibrada da trama e muitas patinadas da edição, tornam a experiência desgastante e maçante, fazendo com que até o mais avesso ao cinema de Woody Allen sinta saudade dele e de seus conflitos infinitos com a mãe.

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É que Beau já é uma pessoa chata e, coitado, nem tinha como ser diferente. Aster até demonstra ter as ferramentas para criar um universo nonsense onde o personagem se desvencilhe disso. A estética do pesadelo é o caminho ideal e, entre metáforas e eventos, cabe bem ali na jornada de autodescoberta e ruptura, mas não há uma unicidade. Beau Tem Medo é como um desses filmes de colagem onde nem todas as passagens conseguem conversar umas com as outras, por mais que algumas delas tenham o seu valor ou todas consigam se adequar à ideia principal.

Beau Tem Medo
Diamond Films

A opção pela comédia de horror funciona só até certo ponto, apostando num humor de constrangimento que nem sempre é eficiente. Assim como o drama mais rasgado, em especial na imponente participação daquela que justifica o título do filme, mas que, embora grandiosa em seus dois grandes momentos, em fases distintas da vida, está perdida. Mas existe angústia, em especial na primeira parte de Beau Tem Medo. Mesmo no descontrole, Aster consegue estabelecer um vínculo com aquele ser apático dominado pelo pavor e, a cada situação, gera o incômodo. 

Ter Joaquin Phoenix (Coringa) como o personagem principal ajuda. A despeito do porte físico, o ator traz à tona inseguranças e infantilidades de Beau e é impressionante o quanto esse ser quebrado vai se deteriorando ainda mais ao longo do filme. E há espaço para muitos sentimentos, alguns raros até positivos, e trabalho corporal no transcorrer do tempo, para além da maquiagem. Há também Patti LuPone (A Escola do Bem e Mal), claro, que traz o teatro com um exagero que cai muito bem não só à figura, mas a toda a construção escalafobética de Aster.

Beau Tem Medo
Diamond Films

O elenco, que conta também com Amy Ryan, Nathan Lane, Parker Posey e Richard Kind, é o que o filme tem de mais equilibrado em meio a sua tentativa de imprimir na tela o pesadelo daquela relação materna carregada por uma culpa universal e um senso de dever eterno. Querendo alcançar o mais denso da psicologia, Beau Tem Medo volta àquilo que Aster já tinha feito antes numa autorreferência curiosa, mistura elementos estranhos e arruma espaço até para animação, peça campal, flashback ensolarado, ensaio com luzes, exílio em bairro pós-apocalítico, mas é tanta coisa perdida em meio a repetições e desconexão que, de tanto, pouco se leva. Freud explica.

Um grande momento
O basta interrompido

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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