- Gênero: Drama
- Direção: João Paulo Miranda Maria
- Roteiro: João Paulo Miranda Maria, Felipe Sholl
- Elenco: Antonio Pitanga, Ana Flavia Cavalcanti, Sam Louwyck, Soren Hellerup
- Duração: 93 minutos
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Em um país retrógrado e reacionário, onde se pede a intervenção militar e se admira a Ditadura Militar, onde se aperta o 17 na urna para a restauração da moral e dos bons costumes e, assim, se legitima o discurso de ódio contra toda e qualquer minoria, o machismo, o racismo, a xenofobia, e se exalta o nacionalismo, “o Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” o que seria uma casa de antiguidades? O que seria um espaço onde tudo está mais ao passado? O primeiro longa de João Paulo Miranda Maria (menção especial em Cannes com A Moça que Dançou com o Diabo) vai buscar esse lugar, nas entranhas do Brasil, lá onde o nazismo fez escola e existe até os dias de hoje, enfeitando piscinas de professores de história pais da governadora de estado.
Numa colônia do Sul, na possível Alemanha Antártida lá do Terceiro Reich como sonhava Hitler, acompanhamos o cotidiano de Cristóvam, funcionário de um laticínio. O começo já demarca onde vamos passar os próximos 87 minutos. Tudo é branco, assepticamente branco. A fotografia Benjamín Echazarreta se aproveita da luz para chapar a imagem e do prateado pontual que a reflete. Nesse esfumação reflexo do reflexo, uma ranhura, ou melhor, um buraco expõe a realidade oculta: nada ali combina com o protagonista, vivido por Antônio Pitanga em mais uma atuação potente.
Vindo do norte, ele é o único negro do local e seu deslocamento é sempre destacado por Miranda Maria, na posição em cena, no caminhar sempre na direção contrária dos outros e na hostilidade das interações definida pelo roteiro. A trabalho de som – mais uma vez digo que Léo Bortolin é o hoje um dos melhores diretores de som do país – trabalha bem a tensão, também salientando a ruptura e separação entre essas duas realidades. Embora siga uma linha narrativa baseada na aleatoriedade, sem preocupar-se com a coesão, não há nada que se veja em tela ou se sinta que não corresponda com uma realidade que se conheça bem.
Nesse retrato de um presente que não se descola do passado, e nem quer isso, Casa de Antiguidades expõe discursos nacionalistas e excludentes, a pregação nazi-fascista e a perpetuação do mal, com as novas gerações replicando aquilo que vivenciam por uma vida, em uma espécie de versão brasileira de A Fita Branca temperada com o cinema caipira, que distingue o diretor, e algo do novo cinema indie europeu. Contextualmente, não há economia entre a internalização e estruturação de padrões e costumes, transformando o oprimido também em opressor e expandindo para além da fronteira territorial estabelecida a realidade do país.
É esse o posicionamento que leva à contradição entre relíquias. Cristóvam vai perdendo visual e literalmente cada vez mais o seu espaço, mas encontra seu passado em uma casa de antiguidades física que relembra a colonização e resgata origens perdidas. Por outro lado, o Brasil se encontra naquele pequeno Lebensraum hitlerista, com a memória varguista, intervencionista e uma sociedade que representa a simpatia pelo abismo bolsonarista onde todos caímos. Como em uma matrioska, uma casa de antiguidades pode estar dentro de outra que a aprisiona. A boneca maior é um país em descomposição.
Miranda Maria sabe como dispor os elementos, como trazer a narrativa para a superfície sem ser óbvio em sua emersão. Há toda uma elaboração de planos, de construção cênica e bons elementos para a história que merece ser destacada, assim como a habilidade para fazer com que tudo funcione junto, da maneira que ele espera que seja. Porém, talvez a forma de Casa de Antiguidades não seja tão aceita assim, justamente pela escolha pela desconexão e pausas que trazem uma certa aleatoriedade. Mas não deixa de ser muito bom ver em tela um retrato que nos desafia a pensar e identificar um Brasil doente, carcomido, abandonado e seu problema sem solução, prolongado geracionalmente há séculos.
Um grande momento
Berrante x bandinha tradicional