Crítica | Festival

Crônica de uma Relação Passageira

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(Chronique d'une liaison passagère, FRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama, Romance
  • Direção: Emmanuel Mouret
  • Roteiro: Emmanuel Mouret, Pierre Giraud
  • Elenco: Vincent Macaigne, Sandrine Kiberlain, Georgia Scalliet, Maxence Tual, Stéphane Mercoyrol
  • Duração: 100 minutos

Emmanuel Mouret rapidamente conseguiu uma representatividade qualitativa entre a cinefilia com seus filmes aparentemente banais. Apenas aparentemente. De inúmeras maneiras, um filme como Crônica de uma Relação Passageira consegue avançar em discussão cinematográfica muito mais do que muitas Palmas – incluindo a deste ano. Com uma levada, digamos, despretensiosa, está acontecendo Cinema quando Mouret filma as corridas de Vincent Macaigne e Sandrine Kiberlain pelas ruas de Paris. Não é vazio o que se comunica aqui, nem truncado, ou pretensamente politizado. O que há em cena é uma outra ordem de relação política, que é a da autonomia das emoções, da possibilidade concreta de realizar com a sua realidade o que se quer, incluindo errar.

Mouret está dedicado a escavar com maior ou menor profundidade sentimentos muito pouco tratados de maneira intensa. Uma história de amor é visual, como no cinema hollywoodiano, ou cerebral, como na tradição do autor. Tanto em Un Beau Matin quanto aqui, o que percebemos é uma proposta viciante de encarar a vida tida como banal com a mesma sofisticação que o cinema dito “importante”, como se apaixonar, tropeçar, não saber se escolheu a hora certa de avançar ou recuar, fosse menor ou mais leviano. Com as tintas utilizadas aqui, em roteiro e direção, o autor não se conforma em reafirmar uma visão blasé a respeito dos seres e suas relações. Porque não encontrar reverberação estética em algo possível todos os dias, como um dia de verão?

Crônica de uma Relação Passageira
Cortesia Mostra SP

Com controle de seu tempo e condições de tratamento de seus personagens condizentes a uma obra elevada como o é, Crônica de uma Relação Passageira, ao contrário do filme de Mia Hansen-Løve, tem foco único e não imagina que a seriedade é aval para elevar seu material. Quando cito seriedade, estou falando de um caráter que se imaginaria como sisudo e ensimesmado para contar sua história. Isso também não significa falta de identificação ao filme, que flui com um naturalismo quase inocente, mesmo tratando-se de uma premissa que se coloca sabida desde o título. É uma luta contra o relógio para compreender a moldura dessa história, e em quanto tempo cada nova fissura cênica irá fazer rachar uma ideia muito clara e aberta de organização social – um romance que se entende banal, até a página 5.

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A banalidade daqueles encontros passam a algo a ser abraçado, ou temido? Na ânsia de não se perder o que se tem, o ser humano cede até às últimas consequências, como se aceitar a dúvida a transformasse em certeza. Mouret filma com profunda alegria e entusiasmo um momento efêmero da vida, uma época onde nos achamos invencíveis por sermos correspondidos em nosso entendimento secreto. Essa empolgação extasiante captura a produção para um lugar oposto ao que está sendo dito e/ou sentido, e isso é uma das magias de Crônica de uma Relação Passageira: em determinado momento da vida, o que está na superfície não corresponde à verdade. O que vêm à tona, então? Ao que nos agarrar, quando o barco começar a partir para outras direções?

Crônica de uma Relação Passageira
Cortesia Mostra SP

No controle de absolutamente tudo, Vincent Macaigne (de Madrugada em Paris) e Sandrine Kiberlain (de Amar, Beber e Cantar) capturam o espírito do que Mouret têm feito – até porque Macaigne até já tinha trabalhado com o diretor – e entregam duas performances de difícil classificação. Dizendo isso pela maneira sutil com que cada certeza torna-se uma dúvida, com que cada dúvida pode estar em um lugar de comprometimento, e tudo siga embolado e se embolando cada vez mais. São dois imensos atores e que reconhecem o tamanho do desafio de interpretar “apenas” alguém apaixonado; as marcações emocionais são feitas com tamanho esmero, refletindo no rosto da dupla seus erros e acertos, que se torna impossível não encontrar identificação em Crônica de uma Relação Passageira.

Mouret, como abri a análise, já conseguiu amealhar um interesse pela sua cartilha, e isso é justificado por um filme como esse novo. Ele consegue aliar alguns pontos de fricção em um mesmo projeto, ao nos aproximarmos de dois corpos/olhos/sentimentos/intenções, para só então nos dizer como tudo aquilo poderia não ser fulgás, mas aí escapa pelos dedos. É um jogo bem requintado de ser escrito e filmado, principalmente pelas contradições estéticas que o autor propõe. Então, mesmo quando estivermos nos identificando mortalmente com o que trata Crônica de uma Relação Passageira, não falta discernimento para encontrar esse cineasta robusto que escolheu acessar o simples e dar complexidade ao material humano que escolheu filmar; é um autor pronto, para onde quiser ir. 

Um grande momento
Simon e Charlotte abraçados na cama

[46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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