Drama
Direção: Gabriel Mascaro
Elenco: Dira Paes, Julio Machado, Teca Pereira, Emílio de Mello, Thalita Carauta, Mariana Nunes, Tuna Dwek, Calum Rio
Roteiro: Gabriel Mascaro, Rachel Daisy Ellis, Esdras Bezerra, Lucas Paraizo
Duração: 101 min.
Nota: 8
O novo longa de Gabriel Mascaro é uma clara tentativa de se aproximar das ficções científicas distópicas em todos os seus segmentos que acaba por subverter os códigos que o próprio gênero propõe, principalmente no que consiste seu encerramento. Até lá, os signos são apresentados para provocar a nossa realidade atual e contextualizar a crise moral, religiosa e ética que o país vive; ainda que apresente suas ideias de maneira jocosa aqui e ali, Mascaro tende a abraçar a fé que move seus personagens e observá-la com o respeito de quem acredita na mesma, provocando a sempre saudável dicotomia entre crença e tecnologia, sem cercear a discussão e sim apresentando lados seguros sobre cada olhar.
Com escolhas estéticas a valorizar um movimento conhecido como (que concerne em utilizar paletas de cores, neons, sintetizadores, a emular os anos 80), que o assemelharia a propostas caras a Nicolas Winding Refn e Michael Mann, o longa passeia entre o passado, o futuro e o presente como a unificar os tempos.
Mascaro divide seu filme em dois tomos, uma primeira metade mecanizada e asséptica que vai lentamente jogando novos elementos de sua trama até provocar uma desestabilização que desconcentre sua trajetória e a humanize, ainda que seu lugar de origem seja uma apatia típica de tempos já estabelecidos. A realidade de Divino Amor sutilmente evoca o nosso presente, ainda que alguma agudeza seja adicionada à equação. Estamos 8 anos atrasado em relação a seu espaço temporal, mas seu ponto de partida é a aceitação de um frequente fanatismo já estabelecido, embora algumas rusgas sejam apresentadas vez por outra. Também essas ranhuras trazem a citada quebra do status quo horizontalizado de atitudes dos personagens, ao focar em seres cuja rebeldia não foi absorvida pelo ambiente geral.
Com o domínio da religião e da burocracia como pontos de partida sociais, a protagonista Joana é mostrada como mantenedora dos padrões vigentes de estado civil em seu serviço numa repartição pública. Joana tenta abrir os olhos dos futuros divorciados para uma segunda chance de reconciliação, motivada por encontros no “grupo de autoajuda religioso” que dá título ao filme, um espaço de conversão religiosa e expiação cuja interação física entre “padrinhos e afilhados” é primordial para desenvolver o processo de cura emocional pelo qual passam os casais. Ainda que exercite sua função como influenciadora de maneira eficaz, o casamento de Joana também passa por uma crise silenciosa, em busca de um herdeiro que não chega.
Podendo incomodar alguns graças a seu tom monocórdio (que a narração infantilizada sublinha), o filme acrescenta camadas que o fazem respirar para além de seu plastificado universo, dando vida ao redor de sua protagonista. Ainda assim, sua violência psicológica enraizada realça os inúmeros aspectos positivos da produção. Essa violência está presente na relação do Estado para com os seres, na burocracia insidiosa praticada por Joana em sua abordagem, na forma seca com a qual a ação acontece no Divino Amor, e principalmente na relação entre Joana e Danilo, calcada em desejo mecânico e afeto inexistente. Sua relação é o oposto da estabelecida em um casal de 22 anos atrás, vividos por Ray Winstone e Kathy Burke no Violento e Profano dirigido por Gary Oldman, uma produção onde tudo é verbalizado, confrontado, explicitado, e que o oposto apresentado por Mascaro acaba por ter o mesmo efeito angustiante e emocionalmente opressivo.
Um dos grandes ganhos de Divino Amor é ignorar as expectativas. O filme ousa explorar o corpo masculino de inúmeras formas, quase a objetifica-lo de forma suntuosa, quando o Cinema historicamente explora a mulher em situações sexuais, e aqui esses mesmos corpos estão em posição de bem-vinda discrição.
Em mais uma prova de subversão, a crítica ao fanatismo religioso, a exploração da fé e a criação de uma nova distopia, também são tratadas de modo a abrir novas possibilidades nesses campos, incluindo uma heroína alquebrada sem garantia de evolução, a tentar responder as questões prementes de qualquer religião a respeito de uma possível volta do Messias, e sobre a validade da mesma.
Saindo da liberdade selvagem que permeou seus dois longas ficcionais anteriores, repleto da ebulição a partir da união de corpos ao elemento natural, Gabriel Mascaro encarcera sua criação em cenários fechados e claustrofóbicos de tensão represada, monumentos de uma pretensa celebração da fé e do amor, mas que não conseguem mascarar seu caráter brutal de dominação prestes a ser confrontado com uma verdade destruidora de certezas.
Um Grande Momento:
O contraste entre o futuro da própria situação e a falta de empatia com um destino semelhante, Joana descarta sem qualquer pesar “uma caixa de papelão” ao lado de um viaduto.
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