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Em Busca de Mim

Céu de frustrações

(Stromboli, HOL, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Michiel van Erp
  • Roteiro: Roos Ouwehand, Paula van der Oest
  • Elenco: Elise Schaap, Tim McInnerny, Christian Hillborg, Pieter Embrechts, Anna Chancellor, Neerja Naik, Taz Munyaneza, Marisa Van Eyle, Adriano Chiaramida, Mark van Eeuwen
  • Duração: 82 minutos

Não posso deixar de abrir esse texto com algo surreal. Há cerca de três semanas, uma música de exatamente 30 anos não saía da minha cabeça; não, não estou falando de um hit de Madonna, Michael Jackson ou, sei lá, Roberto Carlos. ‘Sing Hallelujah’ explodiu na Europa naquele 1993 capitaneada pelo sueco-nigeriano Dr. Alban, que surgiu desse mega hit, foi sucesso durante uns quatro anos com outros sucessos radiofônicos, e hoje vive esquecido. Bom, na primeira cena catártica desse sucesso da Netflix, Em Busca de Mim, tá lá ‘Sing Hallelujah’ embalando o “exorcismo” de um grupo de milionários com problemas a resolver na vida. Achei tão despropositado isso tudo, em meio a um filme cheio de curvas psicológicas, que não pude deixar de dividir esses meus “poderes mediúnicos”. 

Passada essa informação aparentemente desnecessária, é interessante que um filme que fale sobre nosso acesso a dores não curadas do passado, traumas que ainda doem, feridas abertas que nos impedem de criar novas e boas relações, faça alusão a um outro momento de minha vida. Um onde eu era mais jovem, mais ingênuo, com menor carga mas já com algumas cicatrizes – algumas delas até mostradas no próprio filme. Em Busca de Mim procura essa conexão com o espectador, e creio que seja fácil de estabelecer esse elo, porque o filme investiga não apenas a protagonista e seus novos amigos, mas também olha de volta para o público, perguntando o que em nós ainda incomoda. 

Em Busca de Mim
Levitate Film

Dirigido por um homem, Michiel van Erp, ao fim da sessão me pergunto se era a escolha adequada, tamanha são as questões de fundo feminino encenadas aqui, com resultados que vão sendo cada vez mais duvidosos, ao contrário da imersão que o filme propõe. Ainda que os personagens masculinos também tenham suas barreiras para ultrapassar, tais elementos também necessitam de um olhar sensível, porque igualmente são situações delicadas envolvendo violência e abandono. Mesmo conhecendo a sensibilidade de alguns diretores homens, o que vemos aqui é uma premissa bem interessante ser diluída a cada novo bloco de eventos, que efetivam um caráter inadequado, para dizer o mínimo. 

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O que deveria então ser um longa sobre auto perdão, redescoberta de auto estima e encontro com novas possibilidades de intercomunicação, acaba se revelando um filme sobre constelações. Isso mesmo, Em Busca de Mim não busca a ajuda de seus personagens através de curas motivacionais, acaba se mostrando como o método de reconstituição de traumas familiares em uma terapia bem fora dos padrões. Como se trata de uma produção curta, o foco da narrativa acabar indo a esse momento, e seu clímax acontecer justamente desse tipo de tratamento, coloca o filme quase como uma propaganda do método, e tudo que era muito mais emocional acaba se tornando mecânico, mesmo que a ideia das constelações familiares seja justamente o de ajuda emocional. Não podemos deixar de colocar, no entanto, como essa cena é bem urdida cinematograficamente. 

Em Busca de Mim
Levitate Film

Um grupo de personagens dos mais interessantes é apresentado pelo roteiro de Em Busca de Mim, mas se eles são bem desenvolvidos pelo texto e pelos atores (que grupo especial, inclusive), o fato de que a protagonista é tão bem demarcada prejudica essa amplitude. Então mesmo que esteja tudo no lugar, com construção adequada e compreensão visível de cada um pelos seus respectivos atores, o fato de Sara ser o totem da produção acaba apagando as potencialidades ali, que estão visivelmente desperdiçadas. Fica a impressão de que juntaram essas pessoas e suas dores não tiveram o direito de serem curadas, vide a própria constelação, que só assistimos a de Sara, e todos os outros tentando se curar através dela. 

Não há justiça nem aos personagens nem ao espectador, que acompanhou Em Busca de Mim através de todos eles, e não apenas de uma. Se pararmos para analisar o encontro final do elenco, e vermos que o personagem mais machista do filme foi “perdoado” e está ali, no convívio entre todos, o filme desce ainda um pouco mais pelo ralo. Todos merecem uma segunda chance, mas um filme sobre uma protagonista violentada colocar debaixo das asas um dos homens que a vimos “violentá-la”, definitivamente não cai bem. Uma ideia tão bem arquitetada não merecia terminar desse jeito, no campo das frustrações, e para que isso não aconteça, precisamos fingir que não vimos muitas coisas. 

Um grande momento

A encenação

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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3 Comentários
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Lina
Lina
22/02/2023 10:02

Mais um esclarecimento, numa sessão de constelação nunca um perpetuador é perdoado. Nunca a vítima perdoa o agressor. O filme mostrou um exemplo de psicodrama, não de constelação.

Roberta Barsotti
Roberta Barsotti
21/02/2023 17:48

Não se trata de Constelação Familiar…são diversas técnicas terapêuticas demonstradss na trama.
Mas a específica que utiliza de pessoas para representar, tem mais a ver com Psicodrama, uma vez que a cliente vai descrevendo a cena e as pessoas vão interpretando um personagem. Constelação não tem interpretação.

adriana
adriana
11/02/2023 17:12

Só um esclarecimento. Na verdade, não é própriamente uma constelação familiar. É uma mistura de constelação com psicodrama.

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