- Gênero: Drama
- Direção: Caco Ciocler
- Roteiro: Caco Ciocler, Isabel Teixeira, Márcio Vito
- Elenco: Márcio Vito
- Duração: 70 minutos
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A carreira de Caco Ciocler como diretor, apesar dos anos e projetos investidos no ofício, não segue exatamente a de ator, em prestígio e reconhecimento. Talvez por ter investido em projetos políticos em momento de polarização, talvez por ser um espaço paralelo onde ele se dedique pontualmente, talvez porque nem fosse seu interesse aumentar tal proporção, talvez um pouco de cada. Mas a despeito do que já tinha acontecido até aqui, creio que Eu Não Te Ouço alguns degraus adiante serão saltados, na direção de um futuro evidente. Não questionava seu espaço diante desse lugar, mas até aqui sua voz ainda não tinha sido encarada como uma potencial força de propulsão de suas habilidades. Em resumo, estamos falando de um “antes” e “depois”.
O espaço documental ele pode ser libertador para quem o domina, mas também uma espécie de restrição para a acomodação óbvia. Esse não era o interesse de Ciocler, que não tinha realizado produções, até então, acomodadas em gênero ou formato. Mas não é exagero afirmar que seu olhar aqui parece límpido quanto não apenas ao conteúdo do que diz, mas como à forma e suas mutações. Estão em quadro revelatório aqui os movimentos que Eu Não Te Ouço faz para todos os lados, desde a comunicação popular que é desejada, até o que na gênese é encarado como antítese, que é sua autoralidade e os desdobramentos de uma visão de autor.
A ideia, ótima, não se encerra em um ponto único. Para a discussão política, ela tem pertinência inconteste, através de um diálogo imaginário entre os dois lados de uma moeda que pode até não ser a mesma, mas que se parecem bastante. Para a construção cinematográfica, o que Ciocler vislumbrou aqui pode até partir de uma ideia simples, mas a realização é rebuscada no sentido da maneira como o ritmo é defendido pela montagem de Caroline Leone e pela presença de Márcio Vito em cena. Essa é das raras vezes onde encontro (incluindo produções estadunidenses!) o efeito da simulação de um veículo em movimento ter trabalho de direção perfeito, e um recorte da edição que só valoriza o material como um todo.
Logo, não se trata apenas da concretização de uma ideia, mas da valorização da mesma pelo resultado final, que é exímio em cada ponto. Da maneira como lida com a situação que poderia soar esdrúxula para um longa metragem, resvalando rapidamente para a importância coletiva do que está sendo feito. Quando digo sobre a importância de algo, não é conjurando um valor imaginário ao que é visto, mas o quanto Eu Não Te Ouço dialoga com o nosso tempo, e com um novo recorte de cinema que ainda não foi devidamente alcançado, até então. É ousado dentro do limite do aceitável para que seja descoberto por um público maior do que as das salas de festivais, e também tem esse trabalho impressionante de Leone que não deixa seu potencial ser desperdiçado, ao criar esse mecanismo de corte que nunca deixa de valorizar um lado da discussão; enquanto um ouve, o outro fala. Não há audição, e a montagem do filme valoriza essa ideia da premissa.
Um caso à parte é o que Márcio Vito alcança aqui. Vencedor do prêmio de melhor ator na mostra Novos Rumos do Festival do Rio, estamos diante de um daqueles profissionais que não se encerra em um veículo ou momento, e que todos nós já esbarramos. A diferença é que ele nunca esteve nesse lugar antes, e ele aqui está disposto a não largar essa oportunidade, que é encarado como A Chance de uma Vida. As nuances que ele carrega para dentro da tela, promovendo a um só tempo as semelhanças e as diferenças entre os dois personagens, e o fato de estar sozinho em cena o tempo inteiro, em uma espécie de monólogo cinematográfico, é uma das peças que escancaram sua performance. Cooptando o olhar de grande parte da sociedade não apenas no discurso, mas também na intensidade e nas curvas que consegue imprimir a cada frase, transformam seu trabalho em um espetáculo por si só, e um impulsionador dos motivos pelo qual assistir Eu Não Te Ouço.
A cama para ele é muito bem feita, no entanto. Ciocler compreende o seu ator, as potencialidades do mesmo e a maneira de contribuir para o desenvolvimento de sua obra, ao atrelar um enfrentamento que está sempre em cena e também nunca vem. Assim como a obra de Leandra Leal Nada a Fazer, é igualmente um projeto que funciona como um compasso de espera para algo que nunca é prometido a sua efetiva realização. Talvez por isso o fôlego do projeto arrefeça em determinado momento, e é justamente nessa hora em que o autor mais precisa do ator para dar prosseguimento a um jogo que parece travado – talvez propositadamente, até. E Vito, como em todo o filme, corresponde com a maior interpretação que uma carreira poderia oferecer.
Um grande momento
A volta do posto de gasolina – ao mesmo tempo decepcionante e fascinante na inação


