Crítica | FestivalMostra de Tiradentes

Cadê Edson?

(Cadê Edson?, BRA, 2019)
Documentário
Direção: Dácia Ibiapina
Roteiro: Dácia Ibiapina
Duração: 72 min.
Nota: 6 ★★★★★★☆☆☆☆

Há uma sequência digna de Hollywood no documentário de Dácia Ibiapina, dedicado a Edson Francisco da Silva, líder do Movimento Resistência Popular (MRP): no terraço do ocupado Hotel Torre Palace, localizado no coração de Brasília, ao lado da famosa Torre de TV, dois homens enfrentam as investidas de dois helicópteros lotados de policiais. Eles se protegem como podem dos voos rasantes e gás lacrimogêneo em confronto intenso e duradouro, apesar do óbvio desequilíbrio. A conclusão já é sabida, mas isso não tira a tensão do embate registrado à distância, e o fato do prédio ser vazado oferece camadas extras de suspense e antecipação pela observação da atuação da polícia militar também de baixo para cima, subindo as escadas encurralando inclusive crianças. É muito cinema.

Ancorado totalmente na montagem e com a potência de gravações urgentes, mesmo que em baixa resolução, Cadê Edson? chama a atenção por “atiçar a torcida” logo na abertura, combinando violentos registros do encerramento da desocupação do Torre Palace com imagens de pessoas uniformizadas em verde e amarelo vibrando ensandecidamente por motivos políticos, no trabalho de edição de Guile Martins e Elder Patrick comemorando cada retirada de morador arrastado pelos agentes da lei como se fosse um golaço.

A sétima arte sempre foi um terreno de manipulação de dados assim como a política, que, no entanto, no contexto brasileiro vive desde as últimas eleições um boom de desinformação. Aliando construção, omissão e combinação, Cadê Edson? representa em certa medida a luta do militante, realçando principalmente as ideias compartilhadas por ele e pela diretora. Foco então nos absurdos e na covardia policial, no amor como superação da humilhação, na beleza e inocuidade da ocupação, na desumanidade dos apoiadores do impeachment e do presidente Jair Bolsonaro, no sucesso das ações do grupo, na resiliência e na inspiradora trajetória do perseguido e incansável líder social – controvérsias como as acusações de extorsão, ameaças, homicídio, vida de luxo e período na prisão são ignoradas, restando como ponto mais delicado abordado (superficialmente) a suposta expulsão do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

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Cadê Edson? está lá, no entanto, ora parece boi de piranha, ora parece protagonista retratado de maneira incompleta, pois extremamente parcial. Cadê Edson quando o áudio militante do PT que ele despreza tanto quanto qualquer outro partido é usado como contraponto positivo ao discurso de ódio dos apoiadores do golpe de 2016? Mal entendemos de fato quem pode ser ou é Edson. Porém, da forma como é apresentado e seus objetivos são ilustrados, sobe no espectador, ao fim catártico da sessão, o desejo de saber onde está esse homem para acompanhá-lo no combate. É mais fácil encontrar no longa-metragem Dácia, a incitadora. São muitas as guerras em curso no Brasil, inclusive a injusta que iguala sem teto a terrorista, e na cada vez mais determinante e barulhenta batalha das imagens este documentário se joga no enfrentamento com atitude.

Um Grande Momento:
A batalha no terraço.

[23ª Mostra de Tiradentes]

Taiani Mendes

Crítica de cinema, escritora, poeta de quinta, roteirista e estudante de História da Arte. Também é carioca, tricolor e muito viciada em filmes e algumas séries dos anos 90/00.
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