Crítica | Festival

Gran Avenida

Anti-heróis da vida real

(Gran Avenida, CHL, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Moises Sepulveda
  • Roteiro: Moisés Sepúlveda, Michel Gajardo
  • Elenco: Gabriel Cañas, Paulina Giglio, Iván Parra
  • Duração: 80 minutos

Mais uma produção na competição latina do Festival de Gramado que prima por uma narrativa onde um grupo de pessoas cometendo as maiores burradas em profusão e assim perdendo qualquer razão futura que poderiam ter, esse Gran Avenida ao menos se concentra em meros três personagens, os disseca e abre uma discussão sobre casualidades, coincidências e as pequenas tragédias mundanas que já nos trouxe clássicos como Magnólia. Essa produção chilena não chega nesse patamar, mas seu olhar direto sobre o que se propõe a contar ganha pontos em um mundo cheio de subterfúgios, matéria-prima do próprio filme. Seus tipos têm sonhos simples a serem realizados (ser pai, mudar de vida, ser reconhecido como alguém), mas como toda realização pessoal, demanda empenho próprio mas também um tanto de esforço coletivo – nem que seja do acaso.

O diretor Moises Sepulveda já passou por Gramado com sua estreia, As Analfabetas, e saiu de lá com, entre outros prêmios, o Kikito de melhor diretor. Arrisca-se sagrar-se novamente com alguns bonecos com essa visão desacreditada dos esforços micro mas com entendimento completo a respeito dos aspectos coletivos da vida em sociedade. Ainda jovem, o diretor não tem um olhar viciado de cinema e nem do mundo que o rodeia, atentando para o que o derruba ao mesmo tempo em que celebra as raras benesses no meio em que vivemos. Parece pouco, mas quantas pessoas conseguem realizar plenamente suas metas de vida? Com delicadeza mas sem deixar de apontar as lombadas com as dificuldades representadas, o filme exalta as pequenas conquistas que só fazem sentido quando observadas em um contexto maior.

Camilo e Josefina são um casal desencontrado em suas visões do futuro. Ele sonha profundamente com uma paternidade que parece cada vez mais distante – e laços familiares o tocam em vários sentidos; ela é uma dentista pediátrica que sonha em morar no Brasil, e se afasta cada vez mais do desejo do marido – é uma mulher em conflito com sua profissão, inclusive. Entre eles surge Ronald, um colega de classe da juventude de Josefina. Após um reencontro em uma tarde que gera um festival de equívocos (na grande cena do filme), Ronald toma a decisão de sua vida: vai deixar de lado a passividade e tomar as rédeas da sua existência – e pra isso, talvez cometer um crime. Ou tentar. Através desses três personagens e de suas ramificações pessoais, Gran Avenida traça uma fina linha que separa atitudes assertivas de desastres completos, e assim os separa da estagnação em que viviam.

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Falta diálogo entre os personagens – não, isso não é uma reclamação a estrutura do filme, mas uma conjectura em relação a forma como as pessoas vivem, empurrando os problemas pra longe do campo de visão, até que a única forma de resolvê-lo seja o conflito. Um roteiro bem delineado escaneia não apenas o relevo de cada um, mas também suas ações e o que os difere, no fim do dia. Com capacidade para provocar reflexão no espectador a respeito das escolhas que cada um fazemos para alcançar nossos objetivos, o filme tem ainda uma bela montagem que alinhava esse encontro triplo sem deixar de dinamizar o que seu filme e seus tipos têm de particulares. Sua argamassa consegue compreender cada um dos três sem vilanizar seus atos; são pessoas intrinsecamente humanas, falhas e muitas vezes até aleatórias no que fazem, e acabam por corresponder muitas vezes ao que se espera delas, sem necessariamente sê-las.

Seu trio de protagonistas exalam auto confiança em suas posições, tem plena noção do espaço cênico que ocupam e cumprem seus papéis com a dedicação exigida – especificamente Gabriel Cañas e seu Ronald tem textura e dimensão que exacerbam seu olhar pequenino, sua posição diminuída no mundo, e o diretor compreende esse personagem também com mestria, sempre o posicionando menor do que os espaços ou soterrado de elementos parceiros de cena. Essa dimensão que Sepulveda demonstra já era observada em sua estreia e aqui se solidifica, tendo esse trio de coitados como vitrine para contar sua história de criaturas caídas sedentas por qualquer redenção. Ao olhar para cada um deles com o carinho necessário, com a empatia mais genuína, o diretor humaniza-os e também às suas imagens, que crescem junto a esses protagonistas tortos.

Um grande momento
O roubo do celular

[49º Festival de Cinema de Gramado]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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