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Um Romance do Além

Acelerando gêneros

(關於我和鬼變成家人的那件事, TAI, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Cheng Wei-Hao
  • Roteiro: Cheng Wei-Hao, Lai Chih-Liang, Sharon Wu
  • Elenco: Greg Hsu, Austin Lin, Gingle Wang, Tsai Chen-Nan, Wang Man-Chiao, Tuo Tsung-Hua, Aaron Yan
  • Duração: 125 minutos

A febre dos ‘doramas’ está afetando todos os países do Oriente, e não somente a Coréia do Sul. Vide o caso de Um Romance do Além, que estreou há pouco na Netflix e acaba de ser escolhido como o representante de Taiwan ao Oscar de filme internacional de 2024. Apesar de ser um filme, o filme abarca tantos gêneros, têm uma duração tão fora do comum, e acaba mergulhando tão forte no melodrama, que só podemos imaginar que a origem da inspiração esteja entre as melhores novelinhas do gênero. E estamos falando aqui de um título que não tem medo de surpreender ao acessar tantas possibilidades de leituras, ao ponto de sua estrutura ficar superpovoada de seus intentos. Nada que impeça seus méritos de serem notados. 

Escrito e dirigido por Cheng Wei-Hao (de The Soul), o filme é uma salada que mistura comédia, romance LGBTQIAPN+, policial, sátira espírita, imagens do horro e drama, sendo que na maior parte do tempo, sabe-se lá como, essa confusão generalizada funciona. Talvez esteja no DNA dos orientais conseguir o que muitos outros artistas dariam um nó em si mesmos para organizar. Principalmente na primeira parte, menos inchada, Um Romance do Além tem tudo sob controle na hora de apresentar sua profusão de elementos, muitos deles com requintes de realização. A começar por uma perseguição inicial que parece retirada de um videogame cuja inspiração deve ter vindo das animações do Papa-léguas, somos arremessados em um ambiente onde tudo pode acontecer e o dado inicial é essa insana disparada pelas ruas da cidade. 

Um Romance do Além vai de um arranjo a outro em velocidade extrema, sem deixar de surpreender na segurança de seu trabalho gráfico. Se a cena da perseguição é exímia na forma como cada plano é elaborado para nos colocar no auge da ação (algo que, por exemplo, Gran Turismo não consegue normalizar em si), a passagem do casamento é tão estranha quanto eficiente. Porque sua função é provocar um deslocamento da realidade tão radical, que ao espectador não deveria sobrar outro sentimento que não o da confusão mental mesmo. É quando essas duas passagens são analisadas, que percebemos que Wei-Hao levou de maneira estética as difusas realidades pelo qual seus personagens estão inseridos, ao atender a muitas ordens diferentes, que facilmente poderiam dispersar a atenção. 

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Hipnotizados pelo que é apresentado em sua primeira parte, que coaduna os elementos clássicos do cinema oriental popular de todos os tempos – a comédia física, a ação desenfreada, tais elementos conduzidos com apuro e elegância – podemos nos distrair para a forma como o filme adentra a segunda parte. Quando resolve falar “sério”, esteticamente Um Romance do Além decai, adentrando um espaço das decisões burocráticas, mesmo quando fantásticas. É algo pouco visto, quando uma produção sabe menos o que fazer com o drama do que com o que é menosprezado, na maior parte das vezes. Sinal claro de que o interesse por trás da produção é no escapismo ininterrupto, embora todas as linguagens sejam de fácil acesso. 

É notável que isso aconteça, e a cadência do filme perceba de imediato essa configuração diferenciada, que o prejudica. Com menos elementos gráficos sendo introduzidos, a concentração no drama, que poderia ser imaginado como o caminho para um cinema mais limpo, é traído quando o filme passa a ter inserções na linha de Ghost – ou seja, a escolha pelo clássico é infundada, além de não aproveitada. Se não prejudica por completo, é porque Um Romance do Além ainda consegue um (talvez cansativo) ‘plot twist’ no segmento policial, e o tempero se mantém vivo. Mas essa segunda metade também parece que o trabalho do montador é dispensado, porque tudo que é apresentado de maneira concisa na primeira parte, passa a ser arrastado e extremamente verbalizado no terço final. 

Graças ao coletivo trabalho do elenco, que têm um esforço sobrenatural (sem trocadilho) para fazer jus a muitos desdobramentos dentro de seu trabalho particular e raramente saem de um lugar elevado, Um Romance do Além segura suas qualidades na unha. É um projeto que pode até ter seus excessos relativizados, já que seus melhores momentos são fora da curva, mas que guarda um frescor dessa união desconexa de gêneros, muitas vezes no mesmo plano. Não é todo dia que encontramos algo tão especial assim, e é melhor sempre festejar os produtos refrescantes, ainda que seu sabor seja ligeiramente desigual. 

Um grande momento

A perseguição

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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