Crítica | Streaming e VoD

Me Sinto Bem com Você

Cirandas vitimadas pelo nosso tempo

(Me Sinto Bem com Você, BRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Matheus Souza
  • Roteiro: Matheus Souza
  • Elenco: Richard Abelha, Flavia Barros, Manu Gavassi, Victor Lamoglia, Thati Lopes, Aya Matsusaki, Isabella Moreira, Thuany Parente, Matheus Souza, Priscilla Rozenbaum
  • Duração: 140 minutos

A reclusão provocada pela pandemia Covid-19 já gerou algumas obras audiovisuais que ganharam o mundo, a essa altura. Aqui no Brasil, talvez a mais conhecida delas tenha sido a série Diário de um Confinado, já com duas temporadas (e, apesar da qualidade da mesma, não é o caso de se comemorar), um acerto de Bruno Mazzeo como autor. Bebendo de fontes afins, Matheus Souza (de Apenas o Fim e Ana e Vitória) tem material e experiência para deliberar sobre as formas ainda mais líquidas de relacionamento que 2020 nos legou, e Me Sinto Bem com Você, produção nacional a estrear no Prime Video, angaria identificação imediata não apenas na seara habitual do autor.

Indo pra um ano e meio trancados dentro de casa, já estamos escaldados de como foi/está sendo solitário enfrentar o isolamento social, e de como desenvolvemos a mais variada gama de relações, que se desdobraram de maneiras igualmente diversas e que algumas delas ainda estão em processo de solucionar seus entrechos. Souza, como todos nós refém desse ano, soube extrair o melhor de diálogos, situações, audios de whatsapp e conexões pessoais para desenvolver o roteiro e, paralelo a todos ao redor do mundo, estabelecer um universo a partir de uma atividade remota e diversa, contando cinco histórias que não se comunicam diretamente, mas espiritualmente.

Me Sinto Bem com Você

Por mais que, cinematograficamente, tudo isso já vinha sendo testado em produções que abordavam as novas relações nascidas através da virtualidade no mundo pré-pandêmico, ou seja, telas de computador, bate papos através do celular e distância pra definir os ritmos de um relacionamentos já estavam na mesa, mas isso agora faz parte de todos nós, e nós também entendemos as motivações dos produtos. Logo, se não há o maior acerto possível técnico, sabemos que isso foi conseguido dentro de uma realidade onde não cabia outra solução. Acoplado a isso, temos um espelhamento absoluto de momentos que estamos também vivendo, em paralelo.

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Souza já tinha esse dado desde a estreia, aos 20 anos, quando Apenas o Fim retratou uma fatia de fim de adolescência que muitos enxergaram televisivo, excessivamente pop quase à exaustão, com um naturalismo rebuscado demais para ser… natural. Bom, tem uma evolução em 13 anos, mas estamos falando exatamente do mesmo autor; logo, quem não o curte não mudará de ideia, mas é muito complexo encrespar com uma produção alinhada com a melancolia atual, tão abrangente e sem restrições. São cinco histórias onde a ousadia é o espectador conseguir não se identificar com algum momento em alguma passagem que seja.

Me Sinto Bem com Você

Essa identificação fácil e instantânea não esconde exageros de autoria, principalmente no casal que tinha uma relação exclusivamente sexual que precisa lidar com a distância, mas também está na dupla de irmãs que perdeu a mãe (viajo quando penso que pode ter sido para a pandemia?; Me Sinto Bem com Você não explorar essa dúvida é positivo). É nessa passagem que o texto força mais a barra em parecer coloquial, saindo do rumo com mais frequência que os outros. Mas todos eles soam posados demais aqui e ali, mesmo que essa pose seja precedida por um momento confessional crível, ou por uma piada construída com inteligência. Como na obra do diretor, esse equilíbrio é montado dessa forma, camadas artificiais são sobrepostas a outras repletas de credibilidade, e assim vai.

Como estamos falando de um filme onde a pandemia é o catalisador dos problemas, unindo o que deveria estar separado ou separando a quem só desejava estar junto, Me Sinto Bem com Você aperta diversos gatilhos no espectador, nos conectando ao casal que está morrendo de tédio até perceber que não pode viver um sem o outro (Thati Lopes e Victor Lamoglia, excelentes), ou as jovens meninas que só querem extravasar seu amor recém nascido. Como fio condutor, o próprio Souza e Manu Gavassi (de Socorro, Virei uma Garota!, também com Thati) são o casal separado que tem todo os motivos do mundo pra reatar. Todos eles falam coisas que gostaríamos de falar ou de ouvir, ou que já falamos ou ouvimos – essa identificação é o trunfo do filme.

Um grande momento
“eu não sou incrível, mas eu sou ok”

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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