Crítica | Festival

Monica

À procura de afeto

(Monica, EUA, ITA, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Andrea Pallaoro
  • Roteiro: Andrea Pallaoro, Orlando Tirado
  • Elenco: Trace Lysette, Patricia Clarkson, Adriana Barraza, Emily Browning, Joshua Close, Graham Caldwell, Ruby Fraser, Bobby Easley
  • Duração: 105 minutos

Muitos filmes têm sido feitos sobre a realidade transexual contemporânea; poucos tem o ‘timing’ tão certeiro e coloquial quanto Monica, de Andrea Pallaoro. Vejam bem, não estou falando necessariamente de excelência visual, verbal ou temática, mas sim de algo mais específico, como o tempo certo de desenvolver seus conflitos, a maneira aproximada de mergulhar em certas dores. Ainda que eu esteja em outra letra daquela sigla cada vez maior, a minha luta e dificuldade também passam por esse lugar, nossas vivências têm paralelismos, e empaticamente, me sinto confortável em observar a qualidade desse ‘lugar sem fala’ do diretor. Quanto mais nos aproximamos de nossa protagonista e do que a compõe, percebemos suas complexidades e suas nuances. 

O sujeito trans, na atualidade, é um grande chamariz publicitário. São utilizados em campanhas, nos quatro cantos da arte, de maneiras mais ou menos responsáveis. Mas Pallaoro já tinha chamado atenção em Hanna, produção que premiou Charlotte Rampling em Veneza, e mostrado uma sensibilidade incomum para abordar a solitude. É preciso uma dose de delicadeza para sustentar um universo de silêncios e interditos, e ainda promover uma catarse cinestésica. Monica parte de uma ideia de abandono, muito mais do que de solidão e depressão; essa carência é colocada na frente da narrativa para chegar próximo de um sentimento, e que o mesmo atravesse a tela em direção ao espectador. 

Monica
Cortesia Festival do Rio

Passeando por entre crises de sua protagonista, onde nunca vemos o suficiente, o filme é um acerto de concisão. Em meio a tantos filmes de verborragia incontrolável, ou apenas que não conseguem reduzir sua carga retórica, tornando-se redundantes, Monica mostra o significado da precisão. É um quadro que não se deforma durante a projeção, muito menos se altera em sua formatação; conforme a protagonista se aproxima afetivamente dos seus, o que a altera é o exterior, o interior continua alquebrado. Tudo pelo qual Monica é vítima são de ordem naturalista: uma paixão que se esvai, encontros fortuitos que não significam nada; o reencontro com uma família que a expulsou. Ao invés de carregar a personagem do que acompanhamos sempre, o filme diz que Pallaoro apresenta ao público possibilidades dramaticamente frugais, e que elas as deixam levar essa protagonista pelo caminho.

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Assim como seu longa anterior, Pallaoro aposta em argumentos simples para desenvolver um olhar de maturidade para questões primordiais. Essas questões são exatamente intrínsecas ao que é emocional e particular, cada qual incorrendo em subjetividades de cada protagonista. Aqui, Monica volta para casa, não é reconhecida pela sua mãe, em estágio avançado de doença. A partir desse não reconhecimento, a personagem-título passa então a querer encontrar nela mesmo uma parcela mais identificável. Em suas buscas, ela tenta encontrar a paixão que acaba de perder, e com isso aplacar o amor familiar perdido há tantos anos, e que ela está impedida de voltar a acessar. O trabalho de Trace Lysette em cena, criando essa personagem multifacetada, é de qualidade inegável. 

Monica
Cortesia Festival do Rio

Através dos acessos que essa atriz nos permite, conseguimos embarcar nessa jornada muito difícil de uma mulher solitária – em suas escolhas, em sua identificação, em seu afeto. Monica não é uma produção que amenize o que se vê; estamos diante de uma mulher transicionada que precisa aprender a cuidar de uma mãe em estado terminal, que a expulsou um dia. A cada novo olhar para esse manancial de oportunidades perdidas, o espectador percebe uma nova propriedade nascendo dentro daquelas imagens. A retomada de sua consciência de amor, próprio inclusive, ajuda todos os processos, de profundas ausências, que marcam o presente da personagem. Que o filme termine com o Hino Nacional americano sendo entoado, aquele que fala sobre uma terra de povo valente, enquanto observamos o rosto de Lysette, é um misto de ironia com demonstração de força. Não cabe outro desfecho a Monica, personagem, que não lutar, todos os dias, para poder enfim amar, todos os dias. 

Um grande momento
Enfim, o reconhecimento

[Festival do Rio 2022]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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