Crítica | Festival

Não é a Primeira Vez que Lutamos pelo Nosso Amor

Reviravolta bem-vinda na luta

(Não é a Primeira Vez que Lutamos pelo Nosso Amor, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Luis Carlos de Alencar
  • Roteiro: Luis Carlos de Alencar
  • Duração: 101 minutos

O que é dito, mostrado e filmado em Não é a Primeira Vez que Lutamos pelo Nosso Amor não é necessariamente inédito, do ponto de vista social mas principalmente cinematográfico e isso incomoda, um pouco. Sua relevância é inegável, sua essência é incontestável e seu caráter, imenso; não há o que discutir. Enquanto corpo LGBTQIA+ então, eu seria no mínimo contraditório e irresponsável se negasse a importância histórica de nossa luta, de nossos ganhos e nossas perdas, que são culturalmente cíclicas. Ao mesmo tempo, a forma como o processo de cinema se desenrola aqui, é algo já visto em outras produções, sem angariar exemplos, até porque sua estrutura é tradicional do gênero documentário. 

Aos “30 minutos do segundo tempo” – jargão futebolístico – ou melhor, faltando pouco mais de 20 minutos para seu encerramento, o diretor Luis Carlos de Alencar parece ter chegado a um ponto de fricção interessante, no qual o título escolhido faz jus. É quando o filme se assume enquanto proposta política, passa a debater para onde podemos caminhar no setor externo, no tocante às políticas públicas conquistadas. Mais além até, é nesse ponto em que Não é a Primeira Vez que Lutamos pelo Nosso Amor cria uma imagem de atrito dentro do movimento ‘queer’, que sabemos historicamente ter suas rusgas internas, que não fazem qualquer sentido, mas que existem. Isso é uma demonstração de coragem, mas também de assertividade de seu tema, que passa sim por essas diferenças absurdas. 

Não é a primeira vez que lutamos pelo nosso amor
Cortesia Festival do Rio

O tanto que caminha dentro dos trilhos conhecidos tão bem e tão conhecidos, é o mesmo tempo que se imagina gasto desnecessariamente, quando o filme poderia estar ainda mais mergulhado nessas questões conflitantes. Se não se valer desse viés por toda duração, ao menos rechear mais uma narrativa que, apesar da relevância inquestionável, já foi previamente retratada. O que Alencar aborda no caminho para seu desfecho é o que faz de Não é a Primeira Vez que Lutamos pelo Nosso Amor vibrante e especial. Sua força narrativa se encontra quando o filme tenta mostrar os lados sombrios existentes em qualquer força, mesmo as que lutam progressistamente. É o momento onde enfim nos abrimos a algo novo de verdade em cena, ou ao menos mais pungente. 

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O que Alencar apresenta em seu molde estrutural, é o jogo de sempre para edição: ‘cabeças falantes’, material de arquivo, trabalho de fotojornalismo e pesquisa de campo. O material envolvido me interessa em particular, então o filme acaba por me colocar em cena o suficiente, enquanto ouvinte. Analisando friamente a produção, seu discurso não é novo para o cinema, e com a moldura engessada, precisaríamos de algo que revelasse mais a respeito de seus entrevistados, ou de suas falas, ou de sua criação gráfica, enquanto filme. Ainda que personagens históricos como Luiz Mott e João Silvério Trevisan nunca sejam cansativos ou insuficientes, o formato do filme não os privilegia. Seguimos acompanhando a criação dos movimentos LGBTQIA+ pelo Brasil, sua inspiração internacional, a luta durante a ditadura e as ondas sociais, que nos jogam em moto perpétuo entre o conservadorismo e a luta constante dos movimentos. 

Não é a primeira vez que lutamos pelo nosso amor
Cortesia Festival do Rio

É quando enfim o filme encontra lastro para mostrar a que veio, e como já dito, deixa claro porque Não é a Primeira Vez que Lutamos pelo Nosso Amor. As falas de Trevisan, incluindo a que encerra o filme, são tão potentes e afirmativas, sua voz é tão ainda reverberante, que tudo que acaba por acontecer em seu entorno ganha um sabor diferenciado. É quando o filme começa a questionar a misoginia e o racismo dentro desses mesmos grupos, criados para amparar e debater uma dita minoria (‘dita’, porque particularmente eu não acredito mais nesse conceito de parcela menor), e que acaba abraçando outros preconceitos e erros. Afinal, nós gays, somos humanos e também caímos em erros, alguns inadmissíveis, que Alencar tenta expor sem romantizar, para que também em nós não deixemos que a escuridão chegue e se refestele.

Um grande momento
Mulheres e negros se apartam 

Apuestas de la Copa Mundial de la FIFA

[Festival do Rio 2022]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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