(Não Toque em Meu Companheiro, BRA, 2020)
Um documentário de montagem. Imagens de arquivo se sucedem, há um ensaio de sobreposição e aproximação até que se transforme em uma mescla de observação e entrevista. É um filme que difere do estilo marcante de Maria Augusta Ramos (O Processo), embora passe por ele vez ou outra. Não Toque em Meu Companheiro de certo modo passeia pela história das lutas sindicais dos bancários.
O longa começa com imagens da estrondosa greve de 1985, que chegou a ter uma paralisação de 500 mil trabalhadores e chega a 1991, quando a categoria parou por 21 dias e as lideranças foram demitidas. Mais de 110 trabalhadores da Caixa mandados embora por justa causa durante o governo Collor e uma mobilização emocionante dos colegas que aceitaram doar uma parte do seu salário para ajudar no sustento dessas pessoas até suas reintegrações. É daí que vem o nome do filme, do movimento solidário que uniu toda a categoria.
Maria Augusta traça uma linha interessante para chegar onde quer. Ao reunir essas pessoas e ouvi-las falando desse passado – ora com uma câmera que observa a interação entre elas, ora montando a cena para que narrem o ocorrido -, a diretora traça uma linha entre passado e presente que chega na determinação neoliberal que domina o mundo e, principalmente, o Brasil.
Há uma certa confusão imagética pela quantidade de fontes utilizadas. São registros de arquivo, fotografias, imagens de telejornais e peças de propaganda eleitoral, depoimento de especialistas e mais as reuniões dos bancários. É uma poluição que nem sempre faz bem à narrativa, mas não diminui a história que se conta.
Principalmente pelo óbvio caminho que Maria Augusta traça de comparação entre os dois governos, a vilanização dos servidores públicos, os projetos de privatização e por aí vai. O filme faz com que a trajetória de Collor de Mello, o caçador de marajás, e Jair Bolsonaro, o que vai acabar com a corrupção, se encontrem.
Em uma palestra filmada, a filósofa Marilena Chauí faz uma análise sobre a campanha do primeiro, que usa a imagem como cabo eleitoral e assume a personificação da mudança e do futuro, e identifica pontos com a do segundo destacando o papel déspota de ambos. “Você tem, de uma forma tosca, a retomada da posição do Collor”, diz ela.
A documentarista transforma a palavra em imagens, seja ao voltar a Collor ou expor o pastiche que é Bolsonaro, naquele pronunciamento cheio de vergonha alheia na ONU. E aí há mais um movimento interessante do filme, quando une o presente daqueles do passado com o presente do país. Hoje as mesmas pessoas vivem todas as ameaças de antes novamente. O pessimismo é destacado por um dos funcionários de Minas Gerais que encontra traços do discurso neoliberal em seus companheiros mais novos, mas há um outro lado nessa juventude, que também não deixa de ser mostrado.
Outro especialista presente no filme, agora como entrevistado, é o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que destaca a importância dos bancos públicos e critica a postura do novo governo. Não sem associar a postura com a dos economistas da Escola de Chicago, tão cara ao atual ministro da economia brasileiro, conhecido como Posto ipiranga, seja lá o que isso signifique.
Se as identificações são muitas, com a ressalva da tosquice do que se vive atualmente, Maria Augusta encontra um ponto que parece adequar-se a seu interesse primeiro, ainda que a forma como isso se apresenta não seja a melhor, sendo, na verdade, bem confusa. Ela compara o “não toque em meu companheiro” ao “ninguém larga a mão de ninguém”, levantando questões que dizem respeito à individualidade e a força do coletivo, à ameaça a classes específicas, e a necessidade da união.
Não Toque em Meu Companheiro é um filme irregular na forma, mas traz um conteúdo que tem muito a dizer sobre o que se viveu e o que se vive no Brasil, sobre a roda da história, sobre o iludir-se e frustrar-se, e sobre o não querer enxergar também. Sem falar que Maria Augusta sempre arruma um jeito de passar o seu recado e, mais uma vez, não decepciona aqui.
Um Grande Momento
O banco público chega a lugares que os bancos privados não têm interesse em chegar.