Crítica | Streaming e VoD

Ninguém Vai Te Salvar

(No One Will Save You , EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Ficção científica
  • Direção: Brian Duffield
  • Roteiro: Brian Duffield
  • Elenco: Kaitlyn Dever, Elizabeth Kaluev, Evangeline Rose, Geraldine Singer, Dane Rhodes, Lauren Murray
  • Duração: 90 minutos

O streaming do Star+ (ou, nos EUA, da Hulu) veio para acentuar no Cinema a necessidade atávica que ele tem pela falta de risco. Qualquer coisa que não corresponda a um link anterior em projetos novos, uma continuação, uma adaptação, um remake, hoje em dia é considerado material sem base de argumentação, dentro dos estúdios. Ainda não consegui entender a compra da Fox pela Disney, tendo em vista que sua intenção parece ser diminuir tudo que não está dentro de um escopo já experimentado. Por conta de pensamentos assim, um filme bastante acima da média como Ninguém Vai Te Salvar chega longe dos cinemas, e perdemos a oportunidade de compreender na tela grande a criatividade narrativa que assola essa novidade. 

Brian Duffield é realmente o futuro, como mostra essa sua nova empreitada. Depois de estrear na direção com o maravilhoso Espontânea, e assinar os roteiros de Amor e Monstros e A Babá, o diretor ainda irá completar 38 anos, mas já demonstra imaginação invejável para o ofício. Tanto enquanto roteirista quanto como diretor, sua capacidade de nos envolver em situações que apenas são modificações sutis de coisas que já vimos antes, é uma marca que ele já carrega. Porque não importa muito o que está sendo dito, mas sim a forma como cada coisa é dita; Ninguém Vai Te Salvar é prova de que essa máxima se mantém, onde cada elemento é aplicado muito pela autoria, pela capacidade de seu realizador explorar um universo que já encontramos antes, de maneira que realce a si. 

No centro da narrativa, o corpo aparentemente frágil de Kaitlyn Dever está quase sozinho em cena, e quase sempre emudecido. Ele está só em uma casa afastada do centro de uma cidadezinha do interior, quando fenômenos extraterrenos começam a se manifestar. O talento da jovem atriz já tinha se manifestado em obras como Inacreditável e Fora de Série, e aqui ela surge para uma composição que pessoas veteranas nem sempre dão conta. Ela é a corporificação de Ninguém Vai Te Salvar, está em cena 95% do tempo para algo que está sendo conjugado quase que inteiramente através de sua massa física. Talvez por isso faça tanto sentido ela ter sido escolhida, com um corpo tão diminuto, e seu maior trabalho seja o de representar dificuldade às ameaças de outro planeta; essa é a dinâmica de cena, e sua resposta não poderia ser mais ativa. 

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Duffield não aposta em signos novos. A imagem que Ninguém Vai Te Salvar usa é a mais clássica possível, até meio óbvia. Mas é justamente no detalhe que se movem os acertos do filme, que se tangencia pela perda de identidade de sua protagonista, enquanto a observa lutando por uma vida que parecia ser de fácil descarte. Em detrimento ao que se espera de prático visual, o diretor reinterpreta o que seria de construção de imagens. São momentos de verdadeira tensão, sobretudo no primeiro momento de invasão, quando o desespero de Brynn ainda se configura em fuga, e não em revide. Essa primeira parte, onde a vítima ainda está em negação quanto ao seu potencial, é quando o filme melhor cria seu desenho de imagens. 

Quando a personagem percebe que sobreviver é mais do que uma alternativa, Ninguém Vai Te Salvar passa a contar com uma nova chancela de requinte. Porque são, a partir daí, um relevo onde essa jovem muda seu registro, de um estado a outro, e o filme banca essa chave diferente, modificando-se também em ritmo e na concepção das imagens. É como se o filme saísse do território do suspense, gênero que lida com a expectativa e a apreensão, para o lugar da aventura, que é uma zona de ação livre empreendida pelo personagem. Dever então se prova ainda mais segura, quando precisa mudar o registro que vinha empreendendo até então, sem mostrar qualquer alteração de estado da mesma pessoa. 

É quando chega a reta final, para compensar uma ‘barriga’ pequena que o filme teria apresentado antes. Desde o momento em que precisa reintegrar-se ao que é de seu teor original e olhar para dentro, durante os anos na qual ela não consegue se desprender, é que a ficção científica empregada até então mostra sua motivação. Antes do todo que vive em tela, Brynn encontrava-se em um limbo de sobrevivência, graças a tragédias acumuladas em seu passado; a chegada da presença estrangeira faz nascer uma sede de existir. O que amplifica as imagens que encerram Ninguém Vai Te Salvar, porque não adianta mesmo contar com qualquer outra pessoa para a vida – nós somos os únicos responsáveis pelo futuro que nos cabe. Sair de uma existência passiva para uma outra, onde os dados nos pertencem, aí sim é uma prova de que a salvação chegou. Ela pertence a uma só pessoa. 

Um grande momento

Olhos nos olhos – e o ouriço que se segue

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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