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Nosso Sonho: A História de Claudinho e Buchecha

2 filhos do funk

(Nosso Sonho: A História de Claudinho e Buchecha, BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Eduardo Albergaria
  • Roteiro: Eduardo Albergaria, Mauricio Lissovsky, Fernando Velasco, Daniel Dias
  • Elenco: Juan Paiva, Lucas Penteado, Nando Cunha, Tatiana Tiburcio, Flavia Souza, Lellê, Clara Moneke, Marcio Vito, Isabela Garcia
  • Duração: 115 minutos

Ao longo dos tempos, o cinema brasileiro vendeu uma ideia deturpada do que é ser popular. Durante os anos recentes, os filmes de criação menos texturizada eram os que tentavam alcançar o grande público mais rápido e mais fácil, criando para esse espectador uma ideia de conforto que remetesse ao que se vê na televisão. Esse pensamento não apenas é ignorante, como fez a produção cinematográfica se tornar refém de uma resposta imagética facilmente acessível, que não permitia espaço para experimentação, por menor que fosse. Nosso Sonho: A História de Claudinho e Buchecha já chega em outro momento, onde o nosso cinema perdeu tanto espaço para o mercado e o produto internacional, que o público e o exibidor trataram de colocá-lo em lugar ainda maior de indigência. Um filme como o de Eduardo Albergaria, hoje, tem muito mais a retomar do que teria há 5 anos atrás. 

Esse é o terceiro longa do diretor, que chega com uma carga de responsabilidade maior do que já está sendo colocada nas costas de qualquer lançamento comercial brasileiro em 2023. Nosso produto não apenas perdeu espaço nas telas, como também perdeu o poder de atração de quem pode transformá-los em sucesso – a massa popular, principalmente essa, a qual se destina Nosso Sonho. Na contramão do que seria confortável, Albergaria parte para o confronto com uma obra que não se contenta em suavizar esteticamente um espectador que se imaginaria avesso a experimentação. Dentro de sua ideia de sofisticação visual, o diretor não tenta beber em Bruno Safadi ou Julio Bressane, mas entende que foi feito nas últimas décadas uma tentativa de emburrecimento da massa popular; porque o público médio não pode receber um material mais rebuscado visualmente?

Pensando nisso, Albergaria investe na tradicional biografia com seus prós e contras, mas sem investigar os planos de sua produção. Quando bem antes da fama, a dupla vai a um baile funk juntos pela primeira vez, Nosso Sonho parece ser invadido por uma enxurrada de luzes e sons vindos de todas as partes. É como se o filme fosse tragado para dentro de uma atmosfera que os artistas viriam a dominar, mas que ali ainda era apresentado como algo inebriante, de fundo quase onírico. O título do filme e da música homônima fazem o seu trabalho de elevar tudo ao patamar do sonho propriamente dito, e o filmes insere seus protagonistas nesse ambiente que já não corresponde mais a um filtro do real, mas de um delírio cheio de um colorido palpável. 

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Nosso Sonho coleciona uma horda de momentos marcantes, que vão desde a primeira aparição do pai de Buchecha até a conversa entre os amigos dentro do carro que está sendo comprado, e isso não é tudo de composição verbal. O que chama a atenção no filme vai além da cronologia ou da verdade, e sim está impresso nos quadros que Albergaria compõe, que ressignifica inclusive minha relação particular com o lastro temporal de uma biografia. O diretor está definitivamente ligado ao plano, elaborando cada momento de seu filme com uma precisão que falta ao gênero; vide 2 Filhos de Francisco, um filme do qual esse aqui deve tanto, pelo desenho que faz de seu jogo cênico. Enquanto a ideia lá era contar sua história de maneira bem contada, aqui o diretor sabe que não precisa esconder seus predicados para tornar seu filme acessível. 

Com todo o empenho em ir além de uma estrutura biográfica tradicional (e por isso mesmo, quadrada), Nosso Sonho não se sustentaria se seus protagonistas não estivessem à altura da empreitada. Juan Paiva (de M8) e Lucas Penteado (de Espero tua (Re)volta) são poços de carisma ilimitado, e sustentam as quase duas horas de projeção com muita facilidade. Uma coisa não pode deixar de ser mencionada: a presença iluminada de Nando Cunha; o ator de O Novelo nunca esteve tão bem, e entrega uma interpretação que se comunica mesmo muda. Vivendo o pai de Buchecha, uma figura polêmica e de difícil conexão empática, o ator carrega de camadas um homem que poderia ser visto simplesmente como um vilão. Graças às curvas que Cunha dá em um roteiro muito sensível, o filme ganha repercussão emocional em cena. 

Mesmo que recorra ao que é já esperado de uma biografia, como os saltos narrativos, Nosso Sonho é muito sedutor, e consegue driblar essa deficiência tradicional. Para além disso, o filme explora com muita verdade carinhosa uma ascensão tão meteórica, além de um tratamento extraordinário que é dado à reta final da relação entre os dois protagonistas, que passam a ser testemunhas de algo fantástico que os afasta. É uma produção repleta de calor humano e espontaneidade, com uma montagem excelente de Felipe Bibian (de Babenco – Alguém tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou) que encadeia os eventos de maneira orgânica, e deixa uma esperança de que dias ainda mais preocupados com o bom gosto do público se tornarão primordiais.

Um grande momento

‘se o destino adjudicar…’

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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