Crítica | Festival

Los lobos

A Flórida não é aqui

(Los lobos, MEX, 2019)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Samuel Kishi
  • Roteiro: Samuel Kishi, Luis Briones, Sofía Gómez-Córdova
  • Elenco: Martha Reyes Arias, Maximiliano Nájar Márquez, Leonardo Nájar Márquez
  • Duração: 95 minutos

Los lobos, filme dirigido pelo mexicano Samuel Kishi, talvez seja a produção mais tocante exibida pelo 9º Olhar de Cinema, de proposta cinematográfica mais popular do que apresentada normalmente no festival curitibano, o que causa um certo estranhamento com sua escolha, a princípio. Tão logo nos acostumemos com sua presença, a experiência se torna enriquecedora por simbolizar um refresco em um festival que aposta na ousadia e no risco; a esse ponto, ter uma produção de apelo popular na programação é um ganho duplo, porque além de tudo é um produto de qualidade clara e sensibilidade ímpar.

Acompanhando a jornada de uma mãe e seus dois filhos pequenos que acabaram de chegar nos EUA vindos como imigrantes do México, o filme centra fogo na relação entre dois meninos pequenos deixados diariamente sozinhos para que sua mãe trabalhe numa fábrica. Eles são proibidos de sair de casa, e vivem num ambiente sem qualquer infraestrutura, observando a vizinhança e a turma de crianças que podem brincar no quintal enquanto eles vivem afastados e trancados. Aos poucos, essas relações coletivas (mãe e filhos; crianças; crianças e vizinhos) entram em colapso, mostrando que suas disposições estão equivocadas.

Los Lobos (2019), de Samuel Kishi, filme selecionado para o 9ª Olhar de Cinema

O filme consegue captar a claustrofobia do ambiente do apartamento onde Max e Leo estão presos, inadequado até para adultos. A imaginação entre os meninos (que são realmente irmãos na vida real) invade o espaço exíguo onde vivem através das histórias que desenham, uma espécie de representação animada de si mesmos em forma de pássaros, que ganham vida no filme através de técnicas propositadamente rústicas de animação que dão um charme especial e uma motivação a esses pequenos artistas, sem onipresença narrativa mas devidamente substancial ao longa como um todo, um sopro lúdico que renova um material que não se interessa em surpreender, mas em nos envolver com sua humanidade.

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À disposição do que é ofertado, o filme constroi essas três personalidades de maneiras distintas e com relevo muito bem acabado através de suas ações. Da mãe, acompanhamos a árdua tarefa de criar duas crianças num ambiente que ela imagina hostil e desconhecido; os pequenos Max e Leo se distanciam entre si e não se arrumam em clichês. Nem Max é o mais velho protetor e cuidadoso, na verdade seu gênio irascível salta aos olhos, e muito menos Leo é o caçula desprotegido, agindo com vontade de própria e sem seguir o irmão. Somados, criam uma força narrativa que passeia pela imprevisibilidade, ainda que sempre voltado à delicadeza e ao calor humano que exala das cenas e impede que o roteiro resvale na autocomiseração.

Los Lobos (2019), de Samuel Kishi, filme selecionado para o 9ª Olhar de Cinema

O interesse em focalizar seres humanos o mais reais possíveis aproxima o filme ainda mais de Projeto Flórida, o consagrado filme de Sean Baker. Toda a atmosfera os aproxima, e o que os difere vai sendo apresentado cena a cena. Não há qualquer traço de ironia apresentado em Los lobos, a desconstrução feita do american dream não é através de um impacto agressivo, mas de uma forma coloquial e diária, uma consequência da realidade e não uma tréplica à forma com a qual se imagina o tratamento do mundo. Não existe resignação, mas um entendimento do seu papel social e um sonho de morder a mesma maçã, que se configura em um desfecho ainda mais realista que o já era proposto no longa de 2017.

Com as armas modestas que tem, Los Lobos reflete com singeleza sobre absorção de mão de obra estrangeira, da falta de comunicação entre migrantes ainda que estejam todos no mesmo lugar discriminatório, e sobre como laços improváveis sempre serão feitos ao longo da vida. Com uma meia hora final que desafia os limites da falta de envolvimento emocional do espectador, o trabalho de Kishi cresce ao explorar as interações, aproximadas ou limitadas, com os vínculos que forem. Sem deixar de elaborar um cuidado com a elaboração de planos por seu campo de interesse ter ligação com o humano e as emoções, Los lobos mantém sua crença no próximo ao mesmo tempo em que celebra os esforços pessoas ante às adversidades, para o qual não existe o intransponível – talvez o adaptável.

Um grande momento
Um fantasma na noite de Halloween

[9º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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