Crítica | Festival

Oráculo

Tu és (ou quase)

(Oráculo, BRA, 2020)

  • Gênero: Experimental
  • Direção: Melissa Dullius, Gustavo Jahn
  • Roteiro: Melissa Dullius, Gustavo Jahn
  • Elenco: Juarez Nunes, Alice Bennaton, Fernando Goulart Jahn, Aline Maya, Luana Raiter
  • Duração: 61 minutos
  • Nota:

Em Delfos, a fachada do Templo de Apolo ostentava um gigante épsilon dourado. Aquela simples letra deveria ser pronunciada como ditongo, ει, ou “és”, em português. “Tu és”. Na vila onde está o mais conhecido oráculo do Ocidente, uma das mais intrigantes e interessantes reflexões a ser feita era “você é”. E é isso que está na alma do novo longa-metragem de Melissa Dullius e Gustavo Jahn, Oráculo, selecionado para a Mostra Aurora da 24ª Mostra de Tiradentes.

Com um filme mais afastado de si, embora filosoficamente seja impossível o distanciamento, o casal estabelece uma estrutura parnasiana para falar do ser humano. Aquele que desperta, o que descobre, o que sobrevive, o que cria, o que espera. Em longos planos-sequências essa quebra tanto do modo de criar da dupla quanto da expectativa do espectador causam uma fricção que dá ao filme um movimento que contraria as imagens. Estas postas, por muito tempo, são muitas outras e diferentes para cada um que assiste ao filme. “Você é”.

Oráculo

As amarrações de Oráculo unem três histórias, ou quatro se os “leitores” não aceitarem pausas entre estrofes, e o mar surge como uma figura sempre presente, mas mantendo caráter imprevisível. Talvez direcionada pelo título, são histórias que me remetem à temática de mitos e lendas e, claro, à literal resposta que o próprio filme já afastou do etéreo. Assim como afastou da lógica temporal.

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Na dança e na travessia da vida e morte entre mares ou na criação que ganha voz, não se define presente, passado ou futuro, o fluxo vai se construindo aleatório, depende também da complementação que já não pertence aos diretores. Nesse despertencimento está o melhor de Oráculo, no desvincular-se da obra e transcender a tela, ganhando novos contornos e possibilidades.

Oráculo

Porém, há nas quebras e no próprio formato exageradamente simétrico um incômodo. Abordando o tempo de maneira maleável, se propõe a ser extremamente preciso na determinação da forma, milimetricamente calculada. O desajuste se percebe em prolongamentos e apêndices estranhos em cada uma das passagens, trazendo a um conjunto que se beneficia do estranhamento, uma irregularidade artificial.

É quando tira o espectador bruscamente da composição e o coloca diante do filme de alguém, tirando dele aquele ει que oferecera lá no começo de tudo, o conteúdo compartilhado se esvai. Dullius e Jahn precisam então de todo um esforço para recuperar e recomeçar, mas o filme não tem tempo hábil para isso em todas as quebras que causa e vê um novo ciclo se fechando ainda sem voltar a ser de seu verdadeiro dono, quem o assiste.

Um grande momento
De volta à terra

[24ª Mostra de Cinema de Tiradentes]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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