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Death to 2021

Poço sem fundo

(Death to 2021, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Jack Clough, Josh Ruben
  • Roteiro: Ben Caudell, Kemah Bob, Charlie Brooker, Constance Cheng, Alan Connor, Erika Ehler, Charlie George, Eli Goldstone, Mollie Goodfellow, Jason Hazeley, Angelo Irving, Kae Kurd, Daniel Maier, Joel Morris, Akemnji Ndifornyen ... (written by) & Michael Odewale ... (written by) & Tim Renkow ... (written by) & Charlie Skelton
  • Elenco: Hugh Grant, Joe Keery, William Jackson Harper, Lucy Liu, Tracey Ullman, Samson Kayo, Stockard Channing, Cristin Milioti, Diane Morgan, Laurence Fishburne
  • Duração: 60 minutos

Chegamos ao fim de mais uma fase desse bizarro jogo que tem sido a História. A gente sabia que não era, mas no fundo tinha esperança de que 2020 fosse o ano mais absurdo de nossas vidas, de que as coisas poderiam melhorar depois de toda a provação. Ainda não. 2021 provou que ainda tinha muito caminho para frente e muita coisa surreal, horrível e trágica a ser enfrentada. Com os olhos voltados especialmente para os eventos ocorridos ou influenciados pelos Estados Unidos, Death to 2021 ri para não chorar e faz um apanhado de parte do terror vivido. Com a mesma estrutura de 2020 Nunca Mais, o especial traz atores famosos vivendo personalidades que comentam fatos marcantes do ano e dão suas opiniões sobre os eventos.

Aquilo que era interessante na retrospectiva anterior, perde um pouco com a repetição e a forma esquemática aqui. O fato de Jack Clough e Josh Ruben, os novos responsáveis pela direção, estarem tão centrados nos EUA também afasta. Não que os eventos não sejam interessantes ou não tenham tido enorme destaque nos noticiários quando ocorreram, afinal de contas, estamos falando de imperialismo, mas essa era uma das questões que Al Campbell e Alice Mathias souberam incorporar em suas piadas e aqui soam apenas como falta de percepção autocentrada.

Death to 2021
Netflix

Há coisas interessantes, ainda que elas não sejam exatamente bem executadas, como o fato de utilizar elementos estranhos a retrospectivas para levantar e tratar de pautas relevantes, caso das menções aos seriados Bridgerton e Round 6. Ainda que haja um descompasso no tempo e na forma, o que se quer dizer é interessante. Se tenta acertar de um lado, nem sempre é bem sucedido com outras tentativas de humor, como quando fala dos cancelamentos e “sai correndo” ou quando tira a força de uma das personagens que era o seu principal contraponto, a britânica Gemma Nerrick, vivida por Diane Morgan.

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O elenco, aliás, continua sendo uma atração à parte. Em Death to 2021, voltam o professor equivocado de Hugh Grant, o cientista de Samson Kayo, a “cidadã de bem” de Cristin Milioti, e o digital influencer de Joe Keery, mas novos nomes são incorporados ao elenco, como Lucy Liu, que vive uma correspondente de Washington; William Jackson Harper, com um magnata das empresas de tecnologia, e Stockard Channing, como uma comentarista cultural. Tracey Ullman retorna em outra personagem, agora vivendo uma âncora negacionista daquelas que ninguém acreditaria na existência até os tempos atuais e Laurence Fishburne ainda é o narrador.

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Entre os desacertos da forma e o elenco, o especial tem aquilo que precisa para estarrecer, os acontecimentos. No começo, quando ainda o espectador não está tão afastado pelo regionalismo, toda a sandice dos republicanos ao não aceitar as eleições de Joe Biden, com a invasão do Capitólio e uma coletânea de inserções reais da mídia questionando a veracidade do resultado do pleito não precisa de roteirista nem de qualquer outra coisa para chamar a atenção e é um acerto inserir a personagem de Milioti ali no meio. É o absurdo dos absurdos. Chegar até a ordem de Trump e a bateção de cabeças de seus seguidores também é como ver uma comédia do impossível. Algo que, sabendo-se dos moldes desse tipo de figura e desse tipo de governo, preocupa os daqui.

Mesmo que de lá, há muita coisa que se vê que não é tão específica, como o negacionismo. Este é um dos personagens principais de Death to 2021, principalmente com a vacina sendo o principal meio de combater o coronavírus. Fake news, campanhas surreais, a ciência jogada na lata do lixo. Tudo o que já ouvimos falar e foi provado pelo grupo de whatsapp ou Facebook de alguém anda por ali em cartazes, bancadas de telejornais e em representações de uma realidade bizarra. Quando se chega ao ponto de obrigar profissionais da saúde a tomarem vacina, o que mais se pode esperar?

Death to 2021
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As mudanças climáticas surgem como o outro destaque do especial, em eventos isolados que deixam muito óbvio de onde vieram, onde vão chegar e o que querem dizer: a onda de calor na América do Norte, infestação de camundongos na Austrália, os dilúvios na Alemanha e o olho-de-fogo no Golfo do México. E o negacionismo, ou melhor,  o capitalismo, dá sua passada pela Cop 26, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021, que aconteceu no começo de novembro em Glasgow e não chegou em lugar nenhum com China, Índia e outros países se recusando a abandonar o uso total do carvão.

Outros eventos são lembrados, como a nova lei anti-aborto do Texas, o pacto militar entre EUA, Reino Unido e Australia; a retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão; a entrevista de Megan e Henry a Oprah; o julgamento do assassino de George Floyd; as Olimpíadas de Tóquio; o dia sem WhatsApp e o lançamento do Meta; e as brincadeirinhas dos megarricos que viajam ao espaço. Por outro lado, se olha para o mundo, Death to 2021 também quer saber daquilo que tem mais perto de si. O especial sempre volta à produção audiovisual, com uma incômoda, ainda que disfarçada, conotação marketeira. Além das citações a Bridgerton e Round 6, fala ainda do controverso Seaspiracy e de Professor Polvo todos títulos da casa. A reabertura dos cinemas também tem o seu tempinho, com 007 – Sem Tempo para Morrer e a experiência de estar na sala escura novamente depois de tanto tempo em casa vendo filmes de uma outra maneira, além de outras questões que o filme suscitaria independentemente de pandemia.

Death to 2021
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É uma pena que seja algo tão destinado a um público específico e que, diferente do especial do ano anterior, não consiga ultrapassar essas barreiras e isso faça o ritmo ser seriamente comprometido. Porém, por trás de fatos específicos, o geral se reconhece e a mensagem não está tão distante. Afinal de contas, nem a Covid-19, nem as condições climáticas e muito menos essa burrice negacionista são exclusividade de ninguém. Death to 2021, mais do que uma retrospectiva e um especial de fim de ano é um desejo de esquecimento. Que vá para não voltar nunca mais.

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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