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Relatos do Mundo

Deslocados no tempo

(News of the World, EUA, CHN, 2020)
Nota  
  • Gênero: Ação
  • Direção: Paul Greengrass
  • Roteiro: Paul Greengrass, Luke Davies
  • Elenco: Tom Hanks, Helena Zengel, Tom Astor, Travis Johnson, Andy Kastelic, Ray McKinnon, Mare Winningham
  • Duração: 118 minutos

Não há, a priori, nenhum problema aparente que desabone Relatos do Mundo, o novo filme do diretor Paul Greengrass (de Voo United 93), enquanto provavelmente sobrarão adjetivos ao público final. Mas nas entrelinhas desse faroeste clássico-narrativo está seu calcanhar de Aquiles, que não demora a se revelar. Por trás da opulenta superprodução estrelada por Tom Hanks e a menina Helena Zengel (a literalmente explosiva revelação de Transtorno Explosivo), por trás dos valores que saltam aos olhos e fazem babar qualquer espectador, aparece bem evidente uma falta de senso de oportunidade, que permeia não apenas essa adaptação cinematográfica.

Baseado no livro homônimo de Paulette Jiles, o filme parece deslocado no tempo e no formato – e, porque não, na autoria. Greengrass, desde seu Urso de Ouro em Berlim há quase 20 anos por Domingo Sangrento, que o cineasta britânico adquiriu um status de cineasta febril, de emoções imediatas em títulos a flor da pele da adrenalina, nunca esvaziada, mas sim produtos muito humanos onde as fagulhas de tensão impregnaram atmosferas de suas produções, até quando elas não foram tão bem recebidas. Seu novo filme remete a um cinema menos pulsante e com um interesse antiquado na conexão popular.

Helena Zengel e Tom Hanks em Relatos do Mundo

]Relatos do Mundo‘, hoje, é um produto que muito mais estamos nos acostumando a compreender enquanto uma minissérie da HBO de 6 episódios, com toda sua grandiloquência sendo também potencializada pelas relações humanas com espaço e tempo para se enraizarem. Levada às telas de cinema americanas em meio a pandemia (e no resto do planeta, via Netflix), a produção soa refém de outro tempo, muito mais próxima a Entre Dois Amores que a Parasita‘; a ironia é observar que mesmo Greengrass não tenha compreendido que o cinema que ele realiza nas últimas duas décadas é bem mais conectado ao presente que esse chamado ao passado, em todos os sentidos.

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Há pouco de orgânico nas relações pessoais estabelecidas pelo filme, e isso é minimamente grave, tendo em vista que sua espinha dorsal é o encontro entre um homem e uma criança que precisam lidar um com o outro, ainda que não seja de seu interesse prévio. Estabelecidas suas bases, temos em vista uma relação que sabemos onde chegará, e passamos então a acompanhar em quanto tempo esses próximos passos serão dados, de maneira mecânica, porque é assim que as coisas são, e assim essa história precisa ser contada, exatamente sem sobressaltos, ou melhor, onde até eles precisam ser pesados, medidos e encapsulados numa zona segura de entendimento – falta ao filme a urgência e o destemor que os longas do diretor nos acostumaram.

Tom Hanks em Relatos do Mundo

Não que falte carisma à sua dupla central. Sim, Hanks aperta todos os botões esperados e sua atuação é um espelho do que já o vimos fazendo anteriormente, como principalmente em O Resgate do Soldado Ryan – o herói relutante, cansado, adoecido pelo seu entorno, mas com ideais imaculados, o que pode começar a se transformar em um lugar confortável demais pra ele, sem desafios e cujas nuances já sabemos até quais ele dará. O material que o juntou anteriormente a Greengrass, Capitão Phillips‘, foi para ambos um ponto alto das carreiras, aqui em aceleração mediana. A pequena Helena parece escalada a contento, também já a vimos nesse lugar em sua estreia, realizando a mesma impulsividade, a mesma fragilidade escondida pela fúria, mas Helena está em seu segundo papel, tudo ainda é novidade à jovem alemã.

Tecnicamente, cada aspecto do filme é composto para alcançar a excelência – da fotografia do veterano Dariusz Wolski que bizarramente só agora terá sua primeira indicação ao Oscar ao compositor James Newton Howard que, ao contrário do companheiro de equipe, deverá chegar à nona. Não dá pra negar o queixo caído quando cada um desses blocos é analisado, porque suas intenções eram essas mesmas. Mas também isso deixa clara a ausência de frescor na produção, que mais parece um produto manufaturado para as premiações… só que, quais premiações? Relatos do Mundo parece ter perdido o bonde do momento, momento esse que já dura uns 15 anos.

Relatos do Mundo

Ainda que pouco, a Academia mudou, e uma diversidade temática, uma experimentação ainda que mínima parece ser pretendida hoje, uma autoralidade parece muito mais dentro do campo de interesse dos profissionais nos últimos anos, e com isso o filme novo de Paul Greengrass parece ter nascido no momento errado com sua mecanização evidente. Um filme sob esses moldes, hoje, precisa ser conduzido com uma paixão arrebatadora, um frenesi juvenil, uma catarse irreversível, tudo que falta ao bom mocismo de outrora retratado aqui.

Um grande momento
Tiroteio nas montanhas

Ver “Relatos do Mundo” na Netflix

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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