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Rosa e Momo

Embalado a vácuo para a Academia

(La vita davanti a sé, ITA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Edoardo Ponti
  • Roteiro: Ugo Chiti, Fabio Natale, Edoardo Ponti
  • Elenco: Sophia Loren, Ibrahima Gueye, Renato Carpentieri, Francesco Cassano, Babak Karimi, Massimiliano Rossi, Abril Zamora
  • Duração: 94 minutos

Produção italiana que chega a Netflix empunhando um pedigree à base de expectativas, Rosa e Momo é uma nova adaptação de um romance de Romain Gary que já tinha sido levada às telas em 1977, Madame Rosa, que ganhou o Oscar de produção estrangeira para a França, na ocasião. A intenção do italiano Edoardo Ponti é fazer o mesmo mais de 40 anos depois, o que até por esse anterior de saída já se mostra uma tarefa quase impossível, mas nem há disfarce – o filme é todo um grande produto “para americano ver”, feito com competência que só não é mais clara do que a vontade de projeção internacional.

Ponti é filho do produtor Carlo Ponti com uma das maiores estrelas da História do Cinema, Sophia Loren, e ele leva a mãe a sair da aposentadoria depois de 11 anos (sua última participação foi em ‘”Nine”) para tentar essa premiação em família, já que sua mãe é uma das três únicas pessoas a vencer um Oscar por um filme em língua não-inglesa – “Duas Mulheres”. As intenções são tão evidentes que chegam a empalidecer o material, embaçado por esse medíocre desejo. Ainda assim, escapa pelas entrelinhas uma produção bem cuidada, filmada com esmero e com um certo adorno emocional que tenta arrancar lágrimas de qualquer maneira do espectador incauto.

Rosa e Momo

Em se tratando do que tem a oferecer enquanto produto cinematográfico, suas possibilidades não são muito mais elegantes que suas intenções. Trata-se de um melodrama assumido, daqueles à moda antiga, filmado como tal e compreendido como tal. Sua narrativa antiquada, sem ousadias e repleta de clichês não encantarão o público mais exigente; “Rosa e Momo” parece perseguir a ala mais conservadora da cinefilia, aquela disposta a ver uma história bem contada e que não tenha qualquer arroubo de originalidade. Se respiramos mais fortemente, provável que sintamos cheiro do mofo.

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Porém, é realizado com segurança e, se não há sinal mínimo de sutileza ou invenção, o material humano aqui investido é todo concentrado no intuito de envolver. Os dois personagens-título são apresentados com tintas muito carregadas, de forma quase caricatural. Essa impressão corre o filme quase na totalidade, até percebermos que vinha sendo engendrada uma teia de transformação para ambos, que os tirariam da zona de histeria narrativa para ocupar um lugar de afeto mútuo que segue aos choques até se estabelecer por completo. Obviamente que essa virada é delineada por outra vertente de agudeza, só que agora banhada em lágrimas; uma cena de despedida na chuva, onde um vidro molhado se espelha no rosto do protagonista é uma das muitas provas do exagero do todo.

Rosa e Momo

“Rosa e Momo” ainda atualiza uma questão que já é da ideia original da obra literária: o envolvimento de personagens europeus com imigrantes africanos, todos vítimas de marginalização e tratados pela sociedade como párias. Momo é um órfão senegalês que vive aplicando golpes e roubos nas ruas da Itália, enquanto Madame Rosa é uma prostituta aposentada que hoje cria filhos de profissionais na ativa. O ambiente onde ambos vivem e vão se entrelaçar é repleto de figuras tão desprezadas quanto ambos, que incluem uma mulher trans, outras crianças de nacionalidades tratadas como periféricas, e no que deve ser um acerto do filme, essa rede de proteção que se forma entre pessoas desgarradas têm credibilidade de cara.

A cereja do bolo é a transformação por qual passam a estrela Sophia Loren e o pequeno estreante Ibrahima Gueye. De início desencontrado e incômodo em sua tentativa de traduzir clichês e falas muito problemáticas no que diz respeito a coerência da obra, eles tomam o programa pra si em determinado momento e acabam por domar o espectador que conseguir levar o filme até o final. Com um belíssima canção composta e interpretada por Laura Pausini ao lado da veterana em derrotas na Academia Diane Warren, o desfecho do filme na voz inspirada da italiana passa a impressão de que um filme menos problemático acabou de ser exibido.

Um grande momento
O acerto de contas final entre Rosa e Momo

Fotos: Regine de Lazzaris AKA Greta

Ver “Rosa e Momo” na Netflix

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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