Crítica | Outras metragens

Rua Ataléia

A mulher que (não) se foi

(Rua Ataléia, Brasil, 2021)
Nota  
  • Gênero: Ficção
  • Direção: André Novais Oliveira
  • Roteiro: André Novais Oliveira
  • Elenco: Maria José Novais Oliveira, Norberto Oliveira, Renato Novaes
  • Duração: 10 minutos

Luzes apagadas. Luzes parcas, distantes, luzes difusas… pequenas luzes, pequena luz. Não há luz. De repente, uma pequena chama… pequenina, vai se abrindo, vai abrindo caminho por Rua Ataléia, uma experiência cinematográfica e fantasmagórica assinada por André Novais Oliveira, autor de colossos como Fantasmas, Ela Volta na Quinta, Temporada – é, não estamos falando de qualquer um. Estamos falando de um cara que se debruça sobre si, sobre as suas cercanias, das mais genéricas às mais particulares, para vazar um pensamento de Cinema, sempre ampliando as possibilidades de compreensão da própria obra.

Parte de um emaranhado de imagens que André captou durante uma queda de energia elétrica na casa de seus pais, onde morava com seu irmão Renato, o filme é uma sinergia entre imagens esquecidas e potências pictóricas que ressignificam as próprias e toda uma filmografia, a dele. Constantemente voltando seu olhar para suas memórias, para sua história e a de quem cruza seu caminho mesmo quando concebe material exclusivamente ficcional (sua trajetória no combate a endemias revisto no longa protagonizado por Grace Passô, por exemplo), André dessa vez percebe em um arquivo antigo uma porta de entrada para uma fabulação tão particular quanto cinemática.

Especificamente em Quintal, seu Norberto é visto sendo abduzido por um buraco interdimensional, por onde teria vivido aventuras desconhecidas e fascinantes. Rua Ataléia se conecta a essa realidade fantástica, uma realidade puramente cinematográfica, para se integrar aos escombros que separam a vida e a morte. O portal se abriu e seu Norberto voltou por entre as luzinhas que se ampliam gradativamente pela tela, pela escuridão dos espaços, até se perceber não no presente, mas em uma volta no tempo, reencontrando a mulher que se foi retornada à existência. A casa está de volta.

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Com essas imagens encontradas entre tantas que nos invadem e nos possuem, que possuímos e podemos retrabalhá-las para torná-las de novo vida e de novo cinema, André nos mostra também o cinema do futuro; aquele que se possibilita através do aparente nada, para todos, e também através do que sua filmografia se formou e que pode ainda significar, com o acréscimo de novas camadas através de velhos encontros. Como uma breve filmagem caseira e aparentemente trivial possibilita, com um novo recorte de montagem do autor, mais de uma camada de leitura dentro de seu escopo particular, dando novos recursos às imagens que o constituem.

Dona Zezé é a mulher onipresente que, no fim dos tempos, ainda abrigará as imagens que seu filho capturou de si, e aqui ela se prova eterna, porque enquanto André estiver reverberando o retorno de seu Norberto para encontrar uma mulher imageticamente imortal, ela de fato o será. E o Cinema, sempre ele que ressignifica olhares e sensações tão minúsculas e humanas, é transformado por um cineasta que disseca sua sala de estar para o resto do mundo. As fotografias, que podem ser estáticas como as vistas em cena ou em movimento como as que compõem um plano audiovisual, nos fazem perenes.

Seu Norberto, aquele personagem que fez um caminho astral que Quintal proporcionou para si e reencontrou sua esposa existente, teria também ido ao outro lado da vida durante essa viagem e encontrado em outro plano o reflexo do que viveu – no cinema e na vida. Um lugar onde as sombras precisam ser iluminadas para que os contrastes sejam então percebidos, mesmo com um fosforozinho – a vida e o cinema.

Um grande momento
O rosto iluminado da mulher eterna

[25ª Mostra de Cinema de Tiradentes]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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