Crítica | Festival

Sérgio Mamberti – Memórias do Brasil

Política e arte

(Sérgio Mamberti – Memórias do Brasil, BRA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Evaldo Mocarzel
  • Roteiro: Evaldo Mocarzel
  • Duração: 90 minutos

A trajetória de Sérgio Mamberti não se restringe a arte e política, ela tem uma determinação que poucos artistas brasileiros demonstraram durante suas vidas. Em Sérgio Mamberti – Memórias do Brasil, dirigido por Evaldo Mocarzel, o ator que virou ícone da contracultura, gestor cultural e representante público torna-se espelho de seis décadas de inquietações e de devaneios nacionais. O documentário não é só uma retrospectiva, é o registro de um homem e de uma voz que ecoou muito além dos palcos.

Mamberti nasce em Santos, muda-se para São Paulo, entra numa escola de arte dramática em 1964, justamente quando o país embarca num rito de silêncio e repressão. Ali, ele escolhe o teatro como lugar de conflito, frequência da resistência, onde interpreta peças como Navalha na Carne e O Balcão, se conecta com nomes da contracultura e com a alegria da revolução estética. O documentário mostra que seu engajamento foi frontal, com a fundação do Partido dos Trabalhadores e a participação no Governo Federal, onde exerceu cargo no Ministério da Cultura de Gilberto Gil. Ele também nunca deixou de assumir que atuar era também atuar pela vida.

O documentário mostra como ele se impõe como presença no cinema e na TV, lembrando de papéis marcantes, e reconhece que Mamberti sempre gostou de ser risco: ele podia ser ridículo, podia ser vilão e podia ser professor maluco, mas nunca era neutro. Memórias do Brasil destaca essa versatilidade e também lembra o “mestre de cerimônias” da cultura.

A forma do filme segue essa linha de vida híbrida. Mocarzel mescla depoimentos em primeira pessoa e arquivo pessoal. O ritmo é lento como a memória, com trechos suspensos, imagens que parecem de outro país. Ao mesmo tempo, é vibrante como o teatro que Mamberti vivia: “o teatro é a arte do ator”, dizia ele. Não há pressa, porque ali o tempo já se deu, já se gastou: resta o registro.

Mas o longa também revela limites. Há momentos em que a concentração em Mamberti faz a periferia da história parecer sombra, com as contradições políticas, o aplauso fácil e o regime que nunca foi tão derrotado quanto se imaginava ganham só pinceladas. A grandeza da vida retratada quase exige uma tela mais larga, uma ambição além, e o documentário por vezes se ressente com os muros da biografia. Ainda assim, essa “irregularidade” não compromete o que importa: o gesto de não deixar desaparecer.

Ao final, o que fica não é só a imagem de Mamberti como ator ou agente público, mas o exemplo de alguém que se recusou ao silêncio, que transformou o palco em palanque, o bastidor em política, o personagem em agente. Em Sérgio Mamberti – Memórias do Brasil, o ator aparece para lembrar que a cultura é também território de disputa, e que talvez todo artista que silencia já tenha desistido de existir plenamente.

Um grande momento
A história com Regina Duarte

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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