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The Trip

Errando a mão

(I onde dager, NOR, 2021)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Tommy Wirkola
  • Roteiro: Nick Ball, John Niven, Tommy Wirkola
  • Elenco: Noomi Rapace, Aksel Hennie, Christian Rubeck, André Eriksen, Nils Ole Oftebro, Stig Frode Henriksen, Tor Erik Gunstrøm, Selome Emnetu, Galvan Mehidi
  • Duração: 113 minutos

Essa crítica tem spoilers sobre o enredo, então, se você ainda não viu o filme, melhor voltar depois.

Ainda que tenha as suas particularidades, vamos voltar aqui a uma trama já vista antes. Lisa e Lars não são espiões com missões secretas que estão em conflito com seu relacionamento, mas têm um casamento para lá de fracassado e motivos de sobra, inclusive alguns milhões de coroas norueguesas, para encerrar de vez a relação da maneira mais radical possível. Só que ambos estão tão em sintonia que escolhem o mesmo momento, a mesma escapada da rotina para o chalé da família no fim de semana, para executar seus planos. The Trip, comédia de ação estrelada por Noomi Rapace (Os Homens Que Não Amavam as Mulheres) e Aksel Henniie (Headhunters) é um filme que vai se construindo nos detalhes, com dicas que deixa pelo caminho e que está sempre voltando no tempo para preencher lacunas e entregar novos elementos.

Sem grandes propósitos reflexivos, a trama tem seus primeiros momentos todos dedicados à apresentação do casal, não só em seu fracasso enquanto dupla, mas em suas frustrações individuais. Lars dirige uma novela de quinta e tem uma relação complicada com o pai, enquanto Lisa é uma atriz fracassada, com um único comercial no currículo e vários testes frustrados. O trio de roteiristas Nick Ball, John Niven e Tommy Wirkola consegue fazer bem esse trabalho de construção de persona em meio ao desenrolar da ação, primeiro dando atenção aos atos dele, com suas compras, seu álibi e os primeiros passos da execução, e depois fazendo o mesmo com os atos dela. A ideia é distrair o espectador e fazer com que ele se esqueça de outras pistas que foi encontrando pelo caminho. 

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The Trip
Divulgação

Wirkola, que também assina a direção de The Trip, brinca com a linearidade, essa que está sempre completando a história. Num trabalho que poderia ser cansativo, mas aqui funciona bem, os retornos explicativos no tempo são bem marcados e sempre trazem um humor extra à história. Para a dinâmica, ele conta com a precisão de Patrick Larsgaard, responsável pela edição de trabalhos como A Autópsia e Histórias Assustadoras para Contar no Escuro. Além disso, ele é um nome importante quando se leva em conta que o realizador é do tipo que gosta de tomadas frenéticas. Mesmo que se contenha no começo e tenha consciência da necessidade de respiros, quando começa com a pancadaria, nada o segura.

E talvez seja na incontinência que o filme encontre o seu principal obstáculo. Quando a principal pista, aquela dada lá no começo, a mais discreta de todas se concretiza, o filme não consegue se conter. Do humor ácido de uma relação fracassada, das tentativas de homicídios completamente atrapalhadas e das gargalhadas, mesmo que muitas delas saiam do constrangimento, o filme dá de cara com um sadismo que ultrapassa todos os limites. É como se uma chave virasse após a entrada de Dave, Roy e Petter em cena. A escolha de como expor a psicopatia dos três, mudando o tom assumido até então, apelando para ameaça de violências extremas como o estupro por vários minutos, repetidas vezes, não só tira a graça do filme como deturpa a experiência, afinal de contas, independentemente do gênero sexual, se fosse para ver Doce Vingança, que fizesse um outro filme desde o começo e não fizesse graça momento algum.

The Trip
Divulgação

Mas o filme trata isso como um momento apenas e volta à sua programação normal, não sem dar oportunidade a uma vingança ä altura (equívocos, equívocos), encontrando o humor e mais um monte de sangue, perseguição, tiros e ainda tem tempo para voltar mais uma vez no tempo. Aquilo que ele tinha la no começo não encontra mais, infelizmente, ainda que tenha algum material que valeria a pena. É como se o roteiro não soubesse lidar com o monstro que ele resolveu enfiar na própria história e The Trip fica patinando num desfecho muito maior do que precisava ter para todo o sufoco de Lars e Lisa que obviamente, desde o começo, sabemos onde vai dar.

The Trip é aquele tipo de filme que é muito bom naquilo que se propõe, mas que se atrapalha na quantidade de coisa que quer mostrar e sensação que quer provocar. Tem potencial e funciona, inegavelmente, até o momento em que se sabota por um choque que acha precisar causar para determinar personalidades que não tinha a necessidade de assumir, uma vez que já havia alcançado o que precisava. Pena, por que antes dali e até depois estava tudo no lugar certinho, intrigando e divertindo do jeito que prometeu fazer.

Um grande momento
“Você falou para eu dar um jeito”

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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