Crítica | Festival

Um Príncipe

Conto sem fadas

(Un Prince, FRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Pierre Creton
  • Roteiro: Pierre Creton, Vincent Barré, Mathilde Girard, Cyril Neyrat
  • Elenco: Pierre Creton, Antoine Pirot, Vincent Barré, Manon Schaap, Françoise Lebrun, Pierre Barray, Maxime Savouray, Chiman Dangi
  • Duração: 80 minutos

Mesmo em um ambiente como a da Mostra SP, é raro encontrar algo como Um Príncipe, experiência de intensidade inesgotável, que tenta aplacar muitas respostas a muitas questões, deixando o espectador constantemente absorto em suas indagações. São tempos distintos, entrecruzados por narrações em períodos diferentes dos retratados, que provocam uma estranheza bem-vinda ao projeto. E o método utilizado aqui, da observação e do encontro aparentemente estéril entre arte e público, ganha contornos cada vez mais indefinidos, no que está decididamente sendo expresso em cada gesto. De apresentação simples em sua narrativa, o que está em jogo aqui é a sofisticação de sua condução, de sua apresentação e de seu campo imagético. 

Pierre Creton é realizador, roteirista e também encarna a segunda parte do protagonismo, e sua função não é pouca. Existe um barroquismo no que é feito, na sua intenção de contemplar essa história por décadas a fio sem se atrelar ao tempo, mas se fixando às intenções. Um Príncipe se aceita como fábula, como uma coletânea de contos a respeito de alguém e de sua trajetória, e pretende utilizar tais achados como ponte de ligação entre ilustrações dessa história. Ora sugerindo o que acontece, ora mostrando bem mais do que foi sugerido, é um laço de compreensão estreito e bastante subjetivo, que se complexifica graças ao escopo que é adquirido em cena. A fruição do que acontece, e de como acontece com o personagem central, é pouco usual, mesmo dentro de um cinema menos engessado como o francês – quando quer. 

Temos uma cacofonia de dados e elementos, porque a contação não parte apenas de Pierre-Joseph, mas também de Alberto e de Françoise Brown, outros personagens que complementam o universo da mesma saga. Nem sempre dessa união de verdades se sobressai algo positivo e unificado, porque estão sendo colocados em uníssono muitas etapas, muitos tempos distintos que ultrapassam geografias, e muitas maneiras de lidar com o sexo. Quando consegue fazer a ligação entre tudo, temos uma realização de rara beleza e potência, que consegue nos fazer transportar para seu tempo e suas histórias como costumamos adentrar em material sonoro, e cria-se uma comunicação com um filme tão pouco compreendido e mesmo difundido quanto Era uma Vez um Gênio, sendo que aqui temos a ideia crua, igualmente muito bem apresentada. 

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O que sustenta essa ideia de fabulação muito bem é o fato de que o personagem-título não é um príncipe qualquer, mas um indiano que se descobre monarca depois de ser adotado na França. As histórias de suas mil e uma noites particulares até encontrar seu destino são enredadas às de Pierre-Joseph, homem que descobre no amor pela botânica uma válvula de escape para a descoberta de sua sexualidade. A partir do choque entre esses dois mundos e homens, Um Príncipe desmistifica os conceitos de realismo, de aceitação das diferenças e de relações de poder tudo à sua maneira, nunca negando às imagens uma complementação à imaginação. É um resultado que não conecta sempre com o acerto, mas cujas tentativas são equivalentes à coragem de não ter medo de parecer ousado. 

E não estou falando da exposição de corpos fora dos padrões de idade e físico, nem dos contatos explícitos entre esses mesmos corpos. Mas exatamente dessa dinâmica entre o que é dito e o que é visto, e que não está resplandecendo em uma ou outra coisa. São ideias complementares que se potencializam pela interconectividade mediada durante toda a duração de Um Príncipe, funcionando como uma parábola ao próprio Cinema. A tal da Sétima Arte, que não é uma coisa nem outra, mas o encontro de ambas que se entendem na conjectura das qualidades de uma e outra. É o olhar para a história de seu protagonista, no encontro que parece nunca acontecer entre o sonho e o desejo, e que finalmente parece se encontrar. Nada disso é possível sem o componente fabular do qual o Cinema fez de sua maior apresentação – contar histórias. O encontro final entre esses personagens não poderia ser mais celebratório do que é sua matéria-prima, e do que como a vida é uma ideia longa de história.

[47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Um grande momento

A medusa

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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