- Gênero: Drama
- Direção: Marina Meliande, Felipe M. Bragança
- Roteiro: Felipe M. Bragança
- Elenco: Italo Martins, Matheus Macena, Raquel Villar, Márcio Vitto , Lux Nègre
- Duração: 71 minutos
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Em Uma Baleia Pode Ser Dilacerada como uma Escola de Samba, Marina Meliande e Felipe M. Bragança constroem uma crônica em que o fim da Unidos da Guanabara se desfaz em símbolos, lamentos e promessas. No colapso da escola em ruínas, entre a memória e denúncia, o filme se organiza como um grande cortejo de perdas, onde cada segmento carrega sua densidade afetiva. A forma escolhida é aquela que faz mais sentido, a que recupera a ordem de um desfile e leva ao fim maior de uma agremiação.
O gesto inaugural da falência chega abrindo o espaço, apresentando a escola como uma comissão de frente. Os rostos surgem no espaço, apresentados quase como tableaux vivants, carregando o desgaste e o peso do passado. A performance ali não é dança, é confissão, onde cada passo hesitante já anuncia o fim. A câmera demora, observa, ruma lentamente para dentro do gesto. É ali que o filme propõe seu primeiro choque: não há espetáculo.
Quando se chega às alegorias, o que se vê são fantasmas de estrutura e materiais, a decadência do externar se torna visual. Os restos de desfiles festejados se transformam em relicários de memória. A baleia-mascote, que encabeça o símbolo da escola, aparece também como corpo suspenso entre ruínas. A força do passado agora parece ter se diluiu em peso. O filme se traduz em partes de um sonho inacabado, desmonta metáforas e revela um desfile que já não quer passar, na verdade, quer gritar que terminou.
No samba-enredo, ou melhor, no canto que se repete, mora a ponte entre aquilo que foi e o que resta. A música aparece como ponto fundamental da narrativa. Muitos trechos são inseridos diretamente do repertório que fez parte da trajetória do samba, conhecidos, dialogando com Uma Baleia Pode Ser Dilacerada como se fossem memórias que insistem em voltar. Não é trilha que enfeita. Cada uma dessas canções são membranas entre tempo e corpo.
Entre os dançantes, como passistas e baianas, é nos ensaios esvaziados que surge o mais íntimo da comunidade da escola. Na lentidão dos passos, o luto se materializa. Mas o gesto que ali se repete, estar em cena, mesmo na incerteza do desfile, é resistência, e a proximidade da câmera com esses corpos aproxima o espectador de quem sofreu.
A bateria e o recuo final simbolizam a tensão entre pulsação e silenciamento. A marcação do surdo vem como choro e o recuo marca o encerramento. A oscilação entre som e silêncio, presença e abandono, é o que há de sensível no longa. A cadência incômoda das transições, os ruídos que chegam tarde, os silêncios longos, as declamações deslocadas são elementos formais que fazem do filme um desfile fragmentado de memórias fragmentadas.
As composições menores, em integrantes anônimos do barracão, ajudantes do desmanche ou amantes que cruzaram noite e ruína, trazem Uma Baleia Pode Ser Dilacerada para o íntimo das histórias que ecoam sob a lona derrubada. É nelas que se revelam dissonâncias, como o amor perdido, as paternidades ausentes e os corpos que se sustentam com o que restou. Os personagens transitam em cena com suas imagens quebradas.
Esta experiência audiovisual, esteticamente impactante, não termina com desfile, mas com dispersão: a escola se desfaz, a baleia se dilacera e os corpos se retraem. O epílogo do filme se dá na memória dos que ficaram, no olhar cansado, no silêncio que carrega o som do samba que não se veste mais de festa.
Como Orfeu, o protagonista também olha para trás. Seu gesto, porém, não é castigo nem fraqueza, é necessidade. Ele busca nas ruínas, nos escombros da baleia, na lembrança dos que desfilaram ao seu lado, um último lampejo de sentido. Mas, assim como o músico mítico, sabe que o retorno é impossível. Fica o eco, a lembrança que vibra entre o desejo de reviver e a certeza da perda. Nesse olhar que insiste em reter o que já se foi, o filme encontra sua tragédia e sua beleza.
Uma Baleia Pode Ser Dilacerada como uma Escola de Samba é um filme de carnaval ao avesso, que não exalta, enterra; não celebra, lamenta; não se reconstrói, resiste em ruína. E ao longo de cada componente que apresenta em sua Sapucaí ressignificada, fica claro que o fim do desfile é também a persistência de um grito que segue ecoando.
Um grande momento
Dentro da baleia


