- Gênero: Drama
- Direção: Hong Sang-soo
- Roteiro: Hong Sang-soo
- Elenco: Kwon Hae-hyo, Lee Hye-joung, Park Mi-so, Song Seon-mi, Cho Yun-hee
- Duração: 96 minutos
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Hong Sang-soo, já faz algum tempo, é mais do que um autor ou um cineasta celebrado da atualidade. Ele é uma marca registrada, um emblema em si a exibir as ideias de assinatura que passam por um conceito de reconhecimento constituído em símbolos. Sua autoralidade está cada vez mais submersa em conceitos de um ultra naturalismo que é despedaçado por um rasgo fantástico. Dentro desse ‘composite’, encontramos atores-fetiche, discussão sobre arte (especialmente o cinema e sua realização), diálogos intermináveis em mesas de bar e/ou restaurante, regados geralmente a soju, uma bebida típica sul-coreana. São micro histórias de amor e seus desenrolares, os lugares de onde observamos a vida do lado confortável, mas dispostos a desdobrar isso com o extraordinário, como nesse Walk Up.
Acredito que o culto exorbitante em torno de Sang-soo no Brasil tenha acontecido com a chegada de Certo Agora, Errado Antes, mas o cineasta de HaHaHa já tem um nicho particular de adoração há mais de dez anos. Aos poucos, seus filmes dos últimos 25 anos foram sendo consumidos e adorados, e hoje sua filmografia é endeusada – com razão – por parte cada vez maior da cinefilia mundial. Esse seu mais novo filme que acaba de passar pela competição de San Sebastian há menos de um mês é um dos três últimos ainda inéditos no país. Ainda que sua linha narrativa persista coerente e o brilho não tenha se apequenado, Walk Up me soa familiar demais e provocativo um tanto menos, o que nos leva a remeter a uma certa repetição, agora não-positiva – seria nosso olhar ou do autor?
Em determinado ponto, o protagonista aqui entra numa zona adormecida, e sua realidade passa a ser reverberada para o mesmo, como se fosse testemunha auricular da própria história. Em uma espécie de transe pós-sono, Byungsoo ouve a si mesmo conversar com as mulheres que residem em sua vida – sua filha, sua namorada, sua anfitriã. De onde aqueles diálogos poderiam alterar o senso de real do seu entorno, é quando o protagonista passa então a tentar uma autonomia que raramente vem. Porque, apesar da vida cheia de um certo glamour que se imagina para um cineasta, o personagem traduz apenas as dificuldades de uma estrutura que o próprio Sang-soo conhece melhor que ninguém.
É interessante também observar em Walk Up essa inabilidade masculina com a existência prática. As três mulheres que o cercam decidem absolutamente tudo por ele, desde o lugar onde irá morar, até o que irá comer, se fará dieta ou não, e seus próprios modos, que precisam e serão alterados independente de sua vontade. Ao contrário do que poderia parecer, o filme não é um tratado sobre a opressão feminina (como se isso existisse…), mas uma carta de anuência rumo a inaptidão absoluta masculina. É interessante que isso venha do punho de um outro homem, mas que deixa claro como essa letargia em relação a situações decisórias cotidianas deixam o tal macho moderno absolutamente desdentado.
Ao contrário então da fatia de filmografia mais suculenta desse diretor tão profícuo, Walk Up não parece muito interessado em desvio narrativo de percurso realizado por algum deus ex-machina extraordinário. Embora exista essa pitada provocativa com a própria linguagem, onde o plano desse homem que parece ter uma ideia desconcertante acontece pós-sono, o filme escolhe esse momento como a dizer que o Homem está muito mais interessado em sua própria preguiça do que na realização – qualquer realização. Seu protagonista perde inúmeras chances de confrontar a inércia, e acaba se conformando em ser comandado e deixar as coisas acontecerem à sua revelia. É o preço que se paga por não ter qualquer visão prática em sua realidade, e se deixar levar, simplesmente.
Esse é, em grande parte, o tema que existe para ser burilado na filmografia mais recente de Sang-soo. Vide já A Mulher que Fugiu, justamente um dos mais recentes, onde todos os encontros de uma personagem que parece se despedir dos lugares e pessoas por onde passa, são ordenados por uma concatenação de encontros com homens estéreis, no passado ou no presente. Isso está mostrado de forma prática em Walk Up, onde seu protagonista é travado demais para reconhecer que sua vida não deu certo, sem que precise de um auxílio feminino, mesmo quando não deveria precisar. Mulheres essas absolutamente independentes dele, e que precisam orbitar um universo auto centrado e vazio de novas possibilidades. Auto crítica ou apenas uma característica comum ao macho padrão atual?
Um grande momento
A mudança do código de alarme