(El silencio de los otros, ESP, EUA, 2018)
Para falar de O Silêncio dos Outros é necessário resgatar parte da história da Espanha. Em 1936, o país era governado por uma coalizão republicana de caráter progressista, que reunia partidos de esquerda. Um grupo conservador e nacionalista de extrema-direita, sob o comando de militares, resolveu tomar o poder. Algumas cidades passaram a ser controladas pelos nacionalistas, outras mantiveram-se fiéis aos republicanos. A polarização do país levou à guerra civil espanhola, que durou 3 anos e matou aproximadamente um milhão de pessoas.
Com o fim da guerra e a vitória dos nacionalistas, Francisco Franco assumiu o cargo de governante. A ditadura franquista só começou a ruir com a morte do ditador, em 1975 e se concretizou com a eliminação das cortes franquistas, após dois anos. Pouco tempo depois, sob o governo do rei Juan Carlos I, o país reencontrou-se com a democracia.
Mas quais foram as marcas que ficaram dessa ditadura na população do país? O que aconteceu com milhares de desaparecidos políticos? Como se sentem os sobreviventes das torturas após uma lei de anistia que fez com que seus algozes nunca fossem sequer julgados? O Silêncio dos Outros vai buscar essas respostas.
O documentário, puro na acepção do termo, é um composé de linguagens documentais. Sem esconder sua convicção, une depoimentos livres a cenários típicos de participações de cabeças falantes; acompanha seus personagens em caminhadas, embarques, reuniões e exumações; busca a personalização nas narrações em off e a manipulação na trilha sonora; usa imagens de arquivo, algumas comparativas de outras ditaduras, e passagens judiciais.
A mistura, por mais arriscada que seja, confere veracidade ao longa e cria uma aproximação empática com aqueles que contam uma história que foi forçadamente esquecida por muitos. É uma história sobre a qual não se comenta, que não é ensinada nas escolas e que não consegue, por isso mesmo, ser repassada às novas gerações, como fala um dos mais marcantes trechos narrados.
O estrago causado pela lei da anistia, que serviu de base para várias outras ditaduras militares, em especial na América do Sul, torna-se ainda mais óbvio. O documentário assume o seu lado, sem reservas. A luta daquelas pessoas por uma reparação por crimes que são reconhecidos como contra a humanidade, principalmente após a prisão de ditadores como Augusto Pinochet, do Chile, transcende o filme, ponto que comprova sua importância e relevância enquanto manifesto.
Em suas buscas pelos crimes realizados, encontra passagens bizarras como a tentativa de eugenia após uma teoria delirante que buscava evitar um possível gene vermelho em pessoas de posicionamento progressista ou defensores da república. Segundo ela, como pregava o psicólogo Antonio Vallejo-Nágera, era preciso“reforçar psicologicamente o fenótipo para que o genótipo não degenerasse”.
A prisão, tortura e assassinato de pessoas contrárias ao regime estava, portanto, justificada, assim como o sequestro de milhares de crianças de seus lares para que fossem criadas por apoiadores do ditador e defensores da moral e dos bons costumes franquistas. Algo que durou até bem depois do regime e atingiu mães solteiras dos anos 1980 que até hoje não sabem os paradeiros de seus filhos.
A desumanidade de Franco e seus seguidores é destacada de forma incisiva por O Silêncio dos Outros. Mergulhar em uma história temporal e geograficamente distante, mas tão próxima, ao mesmo tempo em que o mundo vê uma onda reacionária que leva à repetição dessa desumanidade, demonstra o quanto é importante que o cinema abra caminho para esses relatos.
Associações virão facilmente, assim como o medo premonitório do que possa vir a acontecer, seguindo o caráter cíclico da história, não deixa de existir. E, para superar o presente, é preciso conhecer cada vez mais o passado.
Um Grande Momento:
Falando sobre o não se falar.
[6º BIFF]