- Gênero: Drama
- Direção: Bradley Cooper
- Roteiro: Bradley Cooper, Josh Singer
- Elenco: Carey Mulligan, Bradley Cooper, Sarah Silverman, Matt Bomer, Vincenzo Amato, Greg Hildreth, Michael Urie
- Duração: 120 minutos
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Ao sair da sessão de Maestro, a impressão não era nada boa. Alguns dias depois, as situações não melhoraram, e talvez tenham atingido nível ainda inferior. Porquê a Netflix, depois de um período onde o seu “grande filme do ano” eram Roma, O Irlandês e Ataque dos Cães chegou a um ponto onde o que tem a oferecer é Bardo e isso aqui? Parece que rapidamente sua análise de material caiu vertiginosamente, mas nada está perdido ainda; ter enfrentado uma pandemia, visto seu lucro anual cair e enfrentar algum descrédito pode ter mudado a impressão geral, mas a constância continua impressionando. E a aposta aqui não era despropositada; estamos falando do projeto seguinte do diretor estreante de Nasce uma Estrela.
Mas não existe muita diferença entre títulos considerados abaixo da média e que chegaram às telas desacreditados, como Judy, Os Olhos de Tammy Faye e Apresentando os Ricardo disso aqui. Não passa de um filme ‘isca de prêmios’ sem qualquer intenção outra que não essa, cheio de gatilhos para esse destino, mas que não consegue elevar seu material a algo menos oportunista. Porque o diretor Bradley Cooper, que se mostrou tão surpreendente em seu longa anterior, parece ter desaprendido muita coisa aqui. E nem cito essas intenções nefastas de estar na corrida de premiações como o principal fator de desagrado, mas de nunca conseguir mostrar além disso, e também mesmo nesse lugar realizá-lo com brilho ou competência. O resultado é um filme vazio, estéril, sem alma ou emoção, com os olhos injetados rumo ao seu intento.
Ao que poderia acrescentar alguma camada imagética que justificasse o que ele de fato irá conseguir (as indicações a filme e atuações – creio que não tenha como ir muito além disso) porque o votante médio quando escolhe ser preguiçoso sai de baixo, Maestro se mostra desastroso. Porque suas tentativas soam praticamente zero orgânicas e pouco integradas à narrativa como um todo, e um exemplo exato disso é um número musical pouco útil ao todo que acontece no relativo início da projeção. Porque ele existe, se o filme não faz a menor questão de mostrar a obra (sim!) de Leonard Bernstein, que está resumido ao título? Sim, para Maestro, Bernstein é apenas tal, e não se dedica nada à música que o mesmo compôs, a sua obra imortal, mesmo ao clássico Amor Sublime Amor nada além de um frase é dedicada…
Ao meu ver, isso é fruto de um trabalho porco, quiçá imundo, do roteiro de Cooper e Josh Singer, que nem se preocupa com o profissional em sua complexidade, muito menos está disposto a dissecar a sua vida pessoal. Porque sim, tudo poderia estar centralizado no “Homem por trás do Mito”, e sua relação conjugal com Felicia Montealegre (e as inúmeras extras também), mas também essa porção de Bernstein não é alcançada. Na verdade, tudo é muito tímido no filme, seja seu talento incomensurável e repleto de contradições que a sociedade musical tentou enquadrar em suas costas, ou nas imensas curvas de sua sexualidade. Levando em consideração que a única cena de cama dele com outro homem o revela acordando e pulando para longe dela, e seu único beijo em alguém do mesmo sexo é visto de longe em ângulo que só esconde o ato, além do personagem nada declarar a esse respeito, penso no quão havia interesse em investigar essa realidade. Pelo que vemos, nenhum.
Tecnicamente, Maestro é igualmente incompreensível. Nenhum aspecto de uma cinematografia deveria sê-lo sem algo a ser dito intrinsecamente sobre tal decisão. A fotografia de Matthew Libatique, ao que humildemente entendo, não faz sentido; ela sai de um preto e branco até interessante, para um colorido saturado que também tem seu valor. Mas porquê uma coisa ou outra, e porquê as duas coisas? Não há vestígio de motivo. Na verdade, imagino que seja mais uma ideia fajuta para 1) no preto e branco não repararmos como nem Cooper nem Carey Mulligan são jovenzinhos e sem rugas e 2) enfim a cores, podermos saturar a imagem com o oposto, realçando de marcas os rostos dos atores, para além da maquiagem. Também não entendo uma montagem que não dê velocidade ou paixão a um projeto onde a paixão deveria ser parte integrante do todo, servindo material aborrecido e maçante do início ao fim.
Se o trabalho do diretor Cooper é repleto de erros, o do ator não fica muito atrás, porque ele não consegue fazer aqui o que tão fácil ficou evidente em seu longa anterior, onde sua performance não atropelava a de Lady GaGa, e sim se unia a ela. Sua atuação é apagada e sem qualquer nuance, e sua maquiagem em especial é caricata na juventude, tirando qualquer que seja um possível destaque que poderia ter. Desse jeito, o único acerto evidente de Maestro é entender o tamanho do talento de Carey Mulligan, e esquecer da vida quando a câmera repousa sobre ela. A partir de uns 45 minutos de projeção (não antes disso, porque essa primeira parte do filme parece dedicada a um virtuosismo tão pedestre que não sobre nada a personagem algum), Mulligan demonstra porque sua valoração na indústria não captura metade do seu talento. É uma entrega feroz e emocionada, que enfim transforma ao menos um pouquinho o que era apenas decepção. Seu trabalho é o único que deveria ser reconhecido, ainda que também falte a ela um roteiro decente que a permita declarar mais que obviedades ou despautérios, como na única cena de conflito do casal, onde acusações que o filme não compreende são disparadas sem que tenhamos tido sequer suspeita de tais coisas.
Não é com prazer que declaro qualquer uma dessas coisas. Gosto muito de Cooper, acho sua trajetória como ator, diretor e produtor até aqui uma coleção de acertos de diferentes gradações, e tinha expectativas reais em relação a tal projeto. O resultado, ao meu ver, tem pouca distância entre o que costumamos rir a cada ano, daqueles desastres colossais onde só uma coisa ou outra se salvam. Tem uma cena de Maestro onde tudo, enfim, faz jus ao talento coletivo: um diálogo entre Bernstein e sua esposa, do lado de fora da casa, uma cerca que os rodeia, e o tema é um de seus “afetos”; a câmera está no lugar certo, as falas são brilhantes, os atores estão no ponto, o distanciamento da cena é um acerto da mise-en-scene. Essa é a cena que deveria ser o exemplo do que um belo filme poderia almejar para si; ela e Carey Mulligan sobreviverão para a posteridade, qualquer que seja o resultado em março. Infelizmente, é impossível acreditar na declaração de amor com o qual Cooper abre e fecha seu filme, quando sua paixão aqui é exclusivamente o careca dourado, o interesse exclusivo desse filme.
[47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]
Um grande momento
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