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Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes

De volta ao começo

(The Hunger Games: The Ballad of Songbirds & Snakes, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Aventura
  • Direção: Francis Lawrence
  • Roteiro: Michael Arndt, Michael Lesslie
  • Elenco: Tom Blyth, Rachel Zegler, Viola Davis, Peter Dinklage, Josh Andres Rivera, Jason Schwartzman, Burn Gorman, Hunter Schafer, Fionnula Flanagan
  • Duração: 155 minutos

Francis Lawrence era um diretor de videoclipes premiados, tendo trabalhado com estrelas como Britney Spears e Jennifer Lopez, até estrear no cinema com Constantine, começar uma bem sucedida carreira em outra vertente do audiovisual, e se amarrar posteriormente a Jogos Vorazes. Essa semana estreia Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, a quarta aventura dele na franquia, e vou fazer coro a quem está dizendo que é o melhor episódio da série. É mesmo, e talvez isso se dê por conta de um apuro de roteiro, de um desenvolvimento interessante da narrativa que agora não está presa à ação, mas não há como negar que Lawrence evoluiu com a série, e hoje já consegue realizar uma produção que agrade aos fãs dos originais de Suzanne Collins, mas também esteja liberta de uma obrigatoriedade narrativa. Dessa vez, outras possibilidades são vislumbradas e aproveitadas pelo episódio, e os jogos são apenas uma parte deles, e tanto estética quanto narrativamente novas compreensões surgiram.

A duração agigantada aqui faz diferença, porque não estamos tratando apenas da dinâmica que o espectador já conhece dos capítulos anteriores, mas especialmente sobre um estudo de personagem bem construído, onde cada acréscimo de informação serve para provocar nova mutação em um jovem que se parte ao longo do tempo. Coriolanus Snow, o homem por trás da massificação dos ‘Jogos Vorazes’ quando Katniss Everdeen se tornou sua maior ameaça, é encontrado aqui no fim da adolescência, e temos acesso a uma outra figura, que não a que conhecemos. O que Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes nos apresenta é a passagem de um tempo em reconstrução, dentro de seu protagonista e ao redor dele, que irá gerar o futuro que conhecemos. 

Ao se passar cerca de 60 anos antes da narrativa original, uma das diversões de Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes é acompanhar uma ideia de passado dentro de um combo futurista, onde o que vemos precisa necessariamente ter desenho estético inferior. Regras rudimentares, uma apresentação prática ainda enferrujada, tudo o que iremos conhecer ainda não nasceu, e algumas coisas estão sendo postas à nossa disposição a partir desse roteiro/tempo. É divertido então acompanhar como era o mundo posterior e o que ele está em curso de se tornar, mais sombrio, agressivo e conspiratório, e com isso observar o avanço de Snow em meio a uma nova persona, menos dócil e mais confiante, sendo moldado para se tornar o homem que já conhecemos. 

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Paralelo a isso, o início dos jogos, ainda sem o gigantismo que veremos posteriormente, e ainda guardando alguma empatia entre mentores e tributos. Parte exatamente de Snow a ideia de aproximar-se dos tributos, e motivar algo que estamos acostumados a ver em qualquer reality show: o espectador irá acompanhar o que for, caso se importe com os concorrentes. Vem disso o sucesso do ‘BBB’, por exemplo; quanto maior for a identificação com quem se acompanha por 24 horas, mais será a interação do público e a audiência. Tem uma ingenuidade saudável que o roteiro explique ao espectador de Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e Serpentes o que move a preocupação do público ao se conectar em um desses programas, porque nesse universo isso está sendo criado nesse momento. É a partir do encontro dele com Lucy Gray Baird que o roteiro se desenrola, e ambos os espectadores (o de dentro do filme e o de fora) precisam comprar esse romance para filme e jogo funcionarem. 

O intuito funciona em partes. Tom Blyth (de Benediction) está muito bem em todas as camadas de Snow, e sua jornada é a própria razão de ser do filme. Sua escalação garante credibilidade ao personagem e ao longa, e conseguimos comprar todos os momentos do personagens e suas posteriores oscilações, quase concordando inclusive com suas decisões, pela qualidade de seu trabalho. Já Rachel Zegler avança alguma casa no tabuleiro, de Amor, Sublime Amor para cá, mas é insuficiente para bater de frente com o rapaz; não ajuda o fato da personagem cantar sem parar, e as músicas serem bem chatas. Com isso, a química entre os atores surge muito mais pelo talento de um deles, e pela condução que o roteiro dá a esse encontro, do que exatamente ao que é conseguido em cena. O plus é um jovem chamado Josh Andrés Rivera, também integrante do remake de Spielberg, impecável como o melhor amigo de Snow.

Já o trio de veteranos explora seu talento ao máximo, e tanto Viola Davis quanto Peter Dinklage e Jason Schwartzman acreditam em absoluto em tudo que fazem, e suas participações não são exatamente pequenas. Com isso, a moldura que eles projetam em Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes é mais do que suficiente para garantir mais um tomo de interesse à produção. Uma leitura competente sobre o nascimento do fascismo e de como nosso meio contribui demais para a criação de monstros contemporâneos, o filme tinha tudo para ser uma produção decente sobre um universo que já dominamos. O que acabamos por ver é uma renovação de interesse na série, e uma ideia política que se assemelha muito com o nosso tempo, transformando um passatempo simples em algo necessário de se assistir. 

Um grande momento

Sozinho na floresta 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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