Crítica | Festival

A Ferrugem

Verás que um filho teu

(La Roya, COL, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Juan Sebastian Mesa
  • Roteiro: Juan Sebastian Mesa
  • Elenco: Juan Daniel Ortiz, Paula Andrea Cano, Laura Gutiérrez
  • Duração: 84 minutos

Pessoas inexoravelmente presas em realidades das quais não querem fazer parte: quantos títulos por ano encontramos com essa mesma abordagem em festivais todos os anos? Esse ano o Olhar de Cinema nos trás ‘A Ferrugem’, um filme que já vimos antes; ok, todos os filmes já foram vistos antes. Essa abordagem de um indivíduo às raias de um esgotamento mediante uma realidade imposta a ele por um recorte familiar que já faliu, segue sendo creditado em recortes curatoriais. Aqui, essa produção encontra um espaço de comunicação através de uma direção acima da média, fazendo abafar sua narrativa que seguimos acompanhando repetidas vezes. Como o trabalho autoral de seu diretor aqui demonstra segurança e até um capricho, o filme acaba por demonstrar uma segurança invejável em sua malha imagética. 

Alejandro Perez Ceferino

Jorge está preso em uma montanha de onde todos os seus amigos já partiram. Cuida do avô e da plantação familiar de café, mas quer mais… ou precisa de mais. Jorge tem saudades de Andréa, tem saudades dos amigos, tem saudades do que poderia ter feito com a própria vida, ou seja, tem saudades do que nunca viveu. Restou a ele Rosa, mas até quando, ele também não sabe. Jorge é mais um personagem que está à margem da realização dos próprios sonhos, vivendo a vida alheia como se fosse sua. O filme lida com a presença de gaiolas e ambientes claustrofóbicos em meio a uma paisagem de liberdade, grandes campos e um sentimento constante de inquietação, expresso por trás das atividades prosaicas do dia a dia. São dissecações que travestem a rotina de um jovem homem comum, mas que não conseguem esconder a melancolia de alguém à espera. 

O poster de ‘A Ferrugem’ diz: “ficar é um ato de resistência”. O diretor Juan Sebastian Mesa insiste nessa proposição narrativa, ao passo que sugere uma fuga para Jorge o tempo todo. O caminho é relativamente livre para ele – existem os contatos externos, existe o princípio da demência de seu avô (que nem lembra mais dele), existe uma paixão do passado que não é esquecida, nem arrefecida. Todos os caminhos de Jorge puxam para um lado, mais sedutor e promissor. Mas, como diz essa mensagem impressa em papel, o filme mantém seu protagonista dentro de uma gaiola, escolhida pelo próprio. Esse talvez seja o diferencial aqui; contra tudo e contra todos, há uma estranha segurança em ficar, uma comodidade justificada pela mudança dos paradigmas, que mantém os jovens adultos mais tempo em seus núcleos iniciais. 

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Alejandro Perez Ceferino

Visualmente, Mesa apresenta beleza a Jorge. Todo o campo externo é de uma efusividade extravagante, de luz ao mesmo tempo inebriante e poderosa, que seduz os personagens. À rotina de Jorge, é oferecido o mecânico estético, ainda que igualmente bem pensado. Suas escolhas de textura acabam tendo a ver com o que o diretor vai apresentar no campo das possibilidades. Há uma textura ordinária na vida tradicional de Jorge, incluindo os travellings claudicantes, que dão esse charme mundano a uma realidade tradicional e sem maiores feitos. Em sua fuga específica, tudo é radiante; das luzes que irradiam na pista de dança até a piscina que exacerba paixão, perigo e sexo, não exatamente nessa ordem. É nesse momento inclusive que a presença de seu pai toma as rédeas de maneira ameaçadora, ao contrário das aparições anteriores, todas elencadas no mundo onírico. 

Esse pai, que deveria ser o principal motivador para a partida de Jorge, o assombra com uma depressão que acabou provocando seu desaparecimento precoce. Ao entrar em contato com essas recordações em formato de pesadelo, o personagem transforma uma espécie de assombração em motivação extra para mudar o destino alheio. Esse pai, que desistiu do que estava reservado pra ele, será substituído por um filho que não pretende seguir seus passos, pelo contrário, a intenção é refazer a sua história e trilhar o oposto. Através desse símbolo da inadequação à espreita, Jorge pretende provar que sua linhagem não está em vias de esquecer seu empreendimento. Independente do sonho, o protagonista parece dizer que precisa reconstruir uma trajetória interrompida, para a libertação dos que já não estão mais aqui.

Um grande momento
Piscina vermelha

[11º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Cinema]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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