Crítica | Festival

After Yang

As memórias que ficam

(After Yang, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Kogonada
  • Roteiro: Kogonada, Alexander Weinstein
  • Elenco: Colin Farrell, Jodie Turner-Smith, Malea Emma Tjandrawidjaja, Justin H. Min, Orlagh Cassidy, Ritchie Coster, Sarita Choudhury, Clifton Collins Jr., Ava DeMary
  • Duração: 96 minutos

Depois da foto, a ausência. Na ausência, as lembranças. Marcados em outros lugares que não físicos e palpáveis, são pequenos fragmentos da memória que constroem a nossa história e nos deixam eternos em outras vidas. Em After Yang, novo filme de Kogonada, a humanidade se reconfigura, chega de onde menos se espera e vai surgindo aos poucos onde sempre deveria ter estado.  Num futuro não sabido, mas possível, uma família se vê sem seu acompanhante sintético e precisa lidar com essa perda. 

A pequena Mika, que conheceu a vida ao lado dele, não se conforma. Kyra, a mãe, prefere se esconder na frieza e na praticidade. Entre elas, Jake, o pai, não sabe o que fazer ou sentir. Entre caminhos, cada um escolhe o que lhe traga mais conforto, mas o vazio incomoda, dói, e leva a uma jornada de reconexão póstuma que fala muito mais sobre eles do que sobre o próprio ausente. A dedicação e devoção diversas, o que havia em toda uma existência em contraposição ao artificial, distante e frio. Incongruências que se iluminam no luto. O luto que revela.

Kogonada dá tempo à sua história, aos seus personagens, busca o sentimento. Em dois universos, o presente — que se vê como futuro — e o passado, cria realidades diversas. São espaços belos e artificiais, em uma casa finamente decorada ou em competições pasteurizadas, que se contrapõem ao calor, às cores, à natureza. O vazio e a existência que se confrontam, um salpicado pelo outro em momentos de carinho, nas paixões, na busca por presenças já impossíveis, e, de certo modo, trazem vida com aquela “morte”.

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O que preenche todos os espaços, físicos e temporais, é não diegético. O observar vem manipulado por uma trilha que menos do que querer manipular sentimentos, está angustiada para ocupar os silêncios e pausas de uma perda, embala os caminhos que abandonam a frieza. É isso também que acentua a dicotomia entre máquinas e humanos, quando pontua posturas e compara as dificuldades de se relacionar, como uma presença constante e incômoda que força o caminhar. 

Em cena, Colin Farrell conduz a jornada de maneira discreta e contida, e é o responsável por uma fatia significativa do envolvimento de quem assiste ao longa. O roteiro, também de Kogonada, adaptado do conto “Saying goodbye to Yang”, do livro “Children of the New World”, procura esse homem em sua busca pelo outro. Enquanto desenha este outro, vivido por Justin H. Min, vai revelando sentimentos, buscando identificações, até abraçar ao luto. E às lembranças. São elas que permitem o sentido, seja da jornada, da solidão, do afeto e da dor.

Em encontros com particularidades desconhecidas e na solidão da ausência, After Yang fala de humanidade e sentimentos inescapáveis. Com seus planos longos, tempo dilatado e trilha insistente, abarca tanto a realidade de afastamentos disfarçados de conexão quanto a incapacidade de lidar com o que é inescapável.

Um grande momento
As borboletas

[Sundance Film Festival 2022]

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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