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Amigo Secreto

Investigando o início do fim

(Amigo Secreto, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Maria Augusta Ramos
  • Roteiro: Maria Augusta Ramos
  • Duração: 130 minutos

O absurdo Brasil de hoje. Encontrar Bolsonaro sentado na cadeira de presidente, assistir a todo o desmantelo na cultura, educação, meio ambiente, testemunhar o caos sanitário que poderia ter sido minimizado. É difícil não pensar em como chegou-se até esse ponto, o que pode ter facilitado esse caminho. Amigo Secreto, novo documentário de Maria Augusta Ramos, não encontra a resposta, mas investiga possibilidades e encontra bons indícios do começo do fim. Suas lentes mergulham na política, mas miram naqueles que a circundam, a investigam.

Os passos são os da Lava Jato, os agentes são velhos conhecidos, mas os personagens principais são os jornalistas que cobriram a história, especificamente dos jornais El País, que até 2021 tinha uma sucursal no Brasil, e The Intercept. Outrora conhecida como a maior investigação contra a corrupção do país, a operação multitarefa unia polícia, MP e Judiciário, ganhou notoriedade e o apoio popular ao levar donos e altos funcionários de empreiteiras à cadeia e expor o esquema de propina que sempre ocorreu na Petrobrás. Nasciam ali para o mundo o juiz federal Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, e tornavam-se heróis quase imediatamente, com poder de condenar quem quer que fosse.

Amigo Secreto
Divulgação

Amigo Secreto, nome emprestado do grupo do WhatsApp dos procuradores da operação, mostra o interesse especial da dupla pela condenação, e vilanização, do ex-presidente Lula e vai construindo um retrato dos eventos enquanto acompanha a apuração jornalística. Ramos, aqui com um pouco mais de distanciamento dos fatos em comparação com seu filme anterior, O Processo, consegue estar mais controlada, menos visceral, embora não deixe de mostrar sua posição e intenção crítica. Por se tratar de Brasil, o longa possivelmente encontrará percepções diversas. Se para alguns, como para essa que vos fala, traz algo muito óbvio, pelos desdobramentos dos acontecimentos, com intenções políticas concretizadas, inclusive; para outros não vai fazer sentido e manter-se-á a fábula heroica de combate a corrupção e de mal personificado.

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Obviamente, Amigo Secreto também aponta e quase acredita em messianismos que se estabeleceram ao longo dos anos e exaltam a figura do ex-presidente Lula para além de sua prisão e do oportuno afastamento das eleições presidenciais que levaram Bolsonaro ao poder e Moro ao cargo de super ministro da justiça. É o preço do humano por trás do fazer e do assistir a um filme, e mais ainda a um documentário político sobre algo que está diante dos nossos olhos, agora. O que se capta, transforma, apreende e compreende está repleto daquilo que diretora, montadora (Karen Akerman), e espectadores conhecem, sentem, entendem e acreditam.

Amigo Secreto, porém, por falar de Lava Jato, de Bolsonarismo, de Brasil, escorrega em seu escopo. É como se quisesse abraçar todo o absurdo e não tivesse braço suficiente. Ninguém teria. E é difícil mesmo estabelecer os limites aqui, porque tudo está intrinsecamente relacionado. Nada de hoje existiria não fosse a pataquada de antes, mas o filme se ressente dessa abrangência. O documentário se divide entre elipses e observação. Por exemplo, se há pressa ao passar do depoimento de Lula sobre o triplex ao depoimento de Moro no Congresso, já sobre as mensagens vazadas pela imprensa entre os integrantes do grupo que dá nome ao longa, o mesmo não acontece em outros momentos quando passagens se repetem ou se demoram, como o acompanhar da reunião na OAB-DF antes do julgamento da ADC da prisão em segunda instância. Algumas pausas, que surgem como respiros nem sempre necessários, prejudicam a vontade de chegar a lugares paralelos do governo, como a primeira reação à Covid, a resposta a ela ou a guerra contra o ministro do STF Alexandre de Moraes.

Amigo Secreto
Divulgação

O acompanhar das apurações jornalísticas é interessante por destacar a justificada ascenção da força-tarefa e, de certo modo, sua derrocada. Filmicamente, gera uma forma mais orgânica de apresentar as entrevistas (embora elas também estejam ali em outros formatos), elementos pouco presentes no observacional cinema de Ramos, mas mesmo com seus pontos positivos, e mesmo com eu estando conectada com a profissão, falta um engajamento, e não é algo tão atraente no filme.

Outro ponto em Amigo Secreto é que ele talvez não seja tão compreensível a gerações futuras ou pessoas que não estejam tão ambientadas aos fatos. É um documentário que precisa de outros conhecimentos e informações para ser totalmente acessado, mas, sem dúvida, é uma obra que chega para despertar a curiosidade e complementar um importante repertório sobre um período tenebroso da história do Brasil. Sua busca pela origem do caos e do horror é importante e a desmistificação de falsos ídolos e suas ações mal-intencionadas, fundamental.

Um grande momento
A cruz de Aleijadinho.

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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