Crítica | Cinema

Amor(es) Verdadeiro(s)

'Dificiu decisaum'

(One True Loves, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama romântico
  • Direção: Andy Fickman
  • Roteiro: Taylor Jenkins Reid, Alex Jenkins Reid
  • Elenco: Phillipa Soo, Luke Bracey, Simu Liu, Michaela Conlin, Tom Everett Scott, Michael O'Keefe, Lauren Tom, Oona Yaffe, Phinehas Yoon, Cooper van Grootel
  • Duração: 95 minutos

Assumo: muito antes do jornalismo, da crítica de cinema, e acho que mesmo antes da cinefilia, eu era noveleiro. Para quem é brasileiro, seja da idade que for, é raro ter entendido dramaturgia sem ter passado inicialmente pela televisão, e a construção do melodrama dividido em capítulos. Pois quando eu olho e lembro de Amor(es) Verdadeiro(s), eu sinto saudades de Barriga de Aluguel, História de Amor, Mulheres de Areia, A Vida da Gente, entre outras. Não citei apenas tramas das 18 h à toa não; primeiro porque seria injusto colocar uma comparação com Vale Tudo e Tieta a esse filme, e segundo porque essa produção segue à risca tudo que é feito em um folhetim típico para esse horário. Uma pena que só a moldura seja a do gênero, e a realização passe muito longe do que uma boa novela consiga alcançar. 

Baseado em livro de Taylor Jenkins Reid e adaptado por ela e seu marido Alex, Amor(es) Verdadeiros(s) tem uma premissa que encantaria de Lícia Manzo a Walter Negrão, mas que precisaria ir além da vontade de contar essa história. Ou melhor, como já é de costume, um livro tem muito mais subsídios para desenvolver uma narrativa longa e espaçada, do que a hora e meia que é dedicada a um longa metragem. Vejam bem: Emma era casada com Jesse, um o amor da vida do outro. No aniversário de um ano de casamento, ele é dado como morto ao sofrer com a queda de um helicóptero no mar. Quatro anos se passam, e Emma cede às investidas de Sam, que é apaixonado por ela desde a adolescência. Assim que eles marcam o casamento, ela recebe uma ligação de Jesse, que está vivo. Me digam, toda a multiplicidade de sentimentos que cabem nessa narrativa cabe em hora e meia?

Esse desenvolvimento simplesmente não pode ser resumido. Quem já acompanhou algum tipo de teledramaturgia, mesmo uma série de televisão, sabe que desenvolver relações e sentimentos entre personagens demanda tempo, dedicação de atores e um roteiro que permeie por tantas ramificações, que não cabem na agilidade de um longa metragem. O que é mostrado em Amor(es) Verdadeiro(s) são os flashes de uma história, como quando você conta algum romance para um amigo que não vê há muito tempo. Entram as melhores e mais importantes partes, mas ficam de fora o que tornou essa história significativa – os elos estabelecidos entre você e seu afeto. O que vemos é uma xerox do que pode ter sido duas grandes histórias de amor, mas que não estão impressas o suficiente para que nossa empatia seja estabelecida por completo, com uma ou outra. 

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Mas esse não é o único problema de Amor(es) Verdadeiro(s). Dirigido por Andy Fickman, com alguns filmes populares de sucesso no currículo (Treinando o Papai, Brincando com Fogo…), o que é visto aqui margeia o amadorismo. É quase constrangedor assistir às imagens produzidas aqui, porque é tanto ‘fade in’ e ‘fade out’, é uma textura tão lavada que é conseguida na fotografia, é tanta recriação fake das viagens do casal de aventureiros no início… é simplesmente muito feio. E conforme o filme avança, o quadro só parece se agravar, porque vão sendo acrescidas à massa do bolo discursos motivacionais típicos de um ‘coaching’, uma lógica que envolve destino e livre arbítrio, em nada melhora o que só parece destinado ao desastre, o que acaba por se tornar.

A moça Phillipa Soo (de Hamilton) até tem muita química com Luke Bracey (de Amor com Data Marcada), mas Simu Liu (de Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis) é exatamente da mesma qualidade que o filme oferece. Ou seja, o espectador também não consegue comprar a indecisão porque um dos vértices é impossível de torcer. Vou dizer que eu torcia mesmo era pra ver mais cenas de Soo com Michaela Conlin (de Bad Trip), sua irmã no filme; essa sim é uma química que transborda no filme. Das outras relações interpessoais, tudo está alijado de suas potencialidades, como os pais de Emma e Marie, que possuem uma argamassa bastante interessante, e são quase figurantes. Ou o cunhado vivido por Tom Everett Scott, um excelente alívio cômico, cujo talento o ator tem e demonstra, mas que parece uma pincelada estranha, desprovida de maiores substâncias. 

É uma sensação estranha essa, a provocada por Amor(es) Verdadeiro(s), de querer acompanhar algo que é produzido à toque de caixa – uma caixa velha, furada, vazia e fedida, diga-se – e ainda assim ter interesse genuíno pelo desfecho e por aqueles personagens. Fica o desejo de que Elizabeth Jihn tenha mais sorte com o material quando puser as mãos em algo similar, ou ela mesma resolver adaptar o mesmo livro. A culpa não é do trabalho feito por Reid, mas da forma como o mercado suprime algo; e sim, muita culpa de Fickman também. Pra quem sempre quis saber o que teria acontecido com a personagem de Helen Hunt em Náufrago, o filme é uma frustração ainda maior. Tinha como tudo ter dado certo, ou melhor, mas para isso quase nada do que é visto aqui poderia ser aproveitado, a começar pela dispensa de um diretor tão incapacitado. 

Um grande momento
No alto do farol

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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