Crítica | CinemaDestaque

As Marvels

Unidas pela empresa

(The Marvels , EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Aventura
  • Direção: Nia DaCosta
  • Roteiro: Nia DaCosta, Megan McDonnell, Elissa Karasik
  • Elenco: Brie Larson, Teoynah Parris, Iman Vellani, Samuel L. Jackson, Zawe Ashton, Gary Lewis, Park Seo-joon, Zenobia Shroff, Mohan Kapur, Saagar Shaikh, Lashana Lynch
  • Duração: 102 minutos

Então, é oficial: as pessoas, crítica e público, cansaram mesmo da Marvel e da DC, e os próximos produtos terão de ser muito especiais para chamar a atenção. O momento que eu particularmente espero há mais de 10 anos parece que chegou, mas o estranho não é exatamente isso, mas o fato de que esse movimento me parece atrasado, e de alguma forma (vejam a ironia…), injusto. No sentido de que os filmes não mudaram praticamente nada de, sei lá, Os Vingadores: A Era de Ultron pra cá, têm os mesmo problemas e os mesmos poucos predicados, mas agora, a graça acabou, o entusiasmo murchou. Ou seja, não é As Marvels o errado, e sim as reações a maioria do que vinha sendo lançado na última década, que era exagerada e absurda de todas as partes. 

Reagem então com fúria a filmes que não merecem. Vejam essa estreia, dirigida pela Nia DaCosta de A Lenda de Candyman, e que parece que não terá o abraço coletivo que os filmes do MCU costumavam ter. Um filme bem leve, literalmente para toda a família, onde as tragédias (e existe uma bem grande) são filmadas de longe e de maneira impessoal para não chocar, com humor na medida, um bom elenco e efeitos competentes. Não há muita diferença do que vemos tantas produções anualmente, para o bem e para o mal. Encontrar o problema é uma tarefa ao mesmo tempo fácil, e incoerente: o público, que passou mais de uma década querendo ver qualquer coisa que as adaptações de HQs entregassem, não quer mais. Não, não ficaram mais exigentes, vide o sucesso de A Freira 2; apenas parecem acordar de um transe coletivo que se mostrava eterno. 

Os problemas reais de As Marvels estão no azar de não contar mais com a boa vontade, e com o fato de que mesmo dentro do estúdio parece que as coisas se depreciaram, no alto da pirâmide. Não houve, por exemplo, uma preocupação em desligar o modo genérico das cenas de ação, que são tão boas quanto já vistas à exaustão. Deprecia o produto o fato de que, em detrimento a essas cenas, deveríamos contar com uma conexão entre o público e seus personagens, que precisariam desenvolver mais e melhor os laços de afeto que sabemos existir por ali. No lugar disso, temos cenas velozes onde tais momentos são abreviados da narrativa para deixar apenas o cerne de cada questão, numa visão mais focada de seus propósitos. Sobram no roteiro, no entanto, uma quantidade sem fim de palavras, expressões e nomes de povos tão disparatados, que temos a impressão de que nada ali foi feito para ser entendido, de verdade.

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O resultado é um filme tímido ao lidar com seus sentimentos. Em determinada cena, a capitã Rambeau reconecta-se com o passado ao mesmo tempo em que foge dele; é uma cena representativa do que As Marvels nos passa. O filme observa os afetos, tem certeza deles e precisa lidar com cada um, mas tem medo do que encontrar, então os resume a poucos momentos, e nesses poucos tudo ainda é enxugado e resumido a uma frase, um olhar e seguimos adiante. Em ano onde Guardiões da Galáxia Vol.3 e Homem-Aranha Através do Aranhaverso nos serviu doses cavalares de envolvimento emocional, o roteiro escrito a seis mãos aqui parece desatento ao mais básico possível, que é onde o público irá comprar tal história.

Dito isso, existe um aspecto que não é o espaço principal, mas que exemplifica o que falta ao resto do filme, que é a família de Kamala. Os Khan já estavam presentes na série estrelada pela sua filha, Ms. Marvel, e aqui demonstram que o problema não é a falta de tempo e espaço cênico. Mesmo sem dominar a narrativa, o trio de familiares de uma das protagonistas é o holofote que mostra ao filme o que está errado e precisaria ser consertado pela relação justamente de suas protagonistas. Entre elas, existe química abundante, onde o espectador claramente identifica a conexão entre o trio, mas isso não pode ficar só na sensação, se o filme pinta justamente que elas resolvem todos os conflitos da maneira mais displicente possível, algumas poucas frases e já foi, que venha a próxima cena. 

Trabalhando no esquema de ‘comandada por Kevin Feige’, todo o talento que DaCosta apresentou anteriormente não faz sentido aqui, porque ela não consegue nenhum espaço para exibi-lo. É uma produção de estúdio, que não conta com maiores preocupações que não as mesmas que existem desde que o MCU foi sonhado. Sim, As Marvels é um filme sobre sororidade, a maior parte das cabeças de equipe são mulheres, é um filme que exala a importância do feminino, e onde os homens parecem existir exclusivamente como escada de cena, mesmo atores grandes como Samuel L. Jackson. Mas isso não se reflete de maneira qualitativa para longe dos fatos, porque o resultado e as intenções são muito maiores do que as intenções de cada atriz e profissional atrás das câmeras. 

A diferença, que está no ar durante a projeção, é que aqui dá pra sentir uma sensação amarga de algo que precisa se encerrar, de que já não há mais paciência ou vontade de entregar uma possibilidade de diferenciação – de nenhuma arte, ao que podemos ver. Apesar de tudo, a cena pós-créditos de As Marvels é das mais consistentes e deliciosas de todo o Universo Marvel, justamente porque parece nela que efetivamente algo vem aí, uma vontade de acessar um grupo que ainda não se mostrou no estúdio, e esse momento, aos 45 do segundo tempo, aí finalmente conseguimos perceber um frisson coletivo na sala. Uma fagulha do que ainda pode ser visto num futuro, mesmo que hoje só consigamos enxergar os escombros de uma outra era. 

Um grande momento

‘Memory’

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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