Crítica | Festival

Maçãs no Escuro

O homem do teatro

(Maçãs no Escuro , BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Tiago A. Neves
  • Roteiro: Tiago A. Neves
  • Duração: 105 minutos

Tiago A. Neves ano passado apresentou sua estreia em longas nessa mesma Mostra Aurora, causando uma comoção coletiva, e terminando inclusive como um dos premiados da Mostra Tiradentes; Cervejas no Escuro acabou criando vida própria ao evento e sendo convidado para vários eventos em sequência. Esse ano, ele volta com Maçãs no Escuro, que não se trata de uma continuação, mas mostra Neves como um autor preocupado na comunicação direta entre suas obras. Mais conciso e ainda conectado aos motivadores da arte, sua linguagem consegue lidar com elementos documentais de maneira tão acolhedora que temos a impressão duradoura de que tais personagens e elementos estão conectados à nossa própria vivência. 

Estamos de frente a Edson, um homem-personagem, uma figura fortemente conectada ao teatro, isso tudo mesmo sendo desconstruído ao longo da produção, do lugar mais alto até sendo recolocado em sua aparência menos inalcançável. Desses tipos obscuros, nasce a necessidade de posicionar essas figuras em seus dois lugares, o da luminosidade e o da escuridão. Nada disso é posicionado de maneira inerte, mas o oposto disso – é a luz que evoca o ocaso, e vice-versa. Seus lugares são marcados com a intenção da mudança, para provar que não há inércia no tratamento. Maçãs no Escuro trata da medida exata em que se pode promover revoluções particulares dentro do nosso aspecto, e com isso enxergar saídas antes impossíveis. 

Neves filma seu dispositivo de maneira honesta. Mesmo o que é fantasia, ali, está contextualizado de acordo com uma proposta de investigação. Edson é uma máquina do teatro, muito mais do que um profissional com oportunidades na área. Isso provoca no espectador sentimentos ambíguos em relação ao que esperamos de sua proposta cênica, porque estamos sempre a um passo de assistir a uma encenação real – até a hora onde de fato ela acontece. Não é como se Maçãs no Escuro se desenvolvesse como teatro filmado, mas ainda assim temos uma encenação de fato acontecendo quase de maneira ininterrupta com as devidas marcações de cena. É um respiro dentro de um cenário que costuma ter outra abordagem. 

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Existe uma situação que parece desencaixada na montagem em Maçãs no Escuro, pelo menos. Em determinado momento da produção, uma nova personagem surge, com igual desvelo de apresentação da produção. Nos interessamos pela atriz, que logo iremos saber faz parte da mesma companhia onde o protagonista está inserido. A surpresa é descobrir que a moça não terá muita importância para além desse momento, o que retira a justificativa de sua presença e causa um ruído desnecessário na produção. Não cria uma amarra potente com o resto da produção, para além de ambos estarem direcionados para a mesma direção. É, por excelência, um adendo que só se conecta ao resto pela força das circunstâncias, mas não deixa de mostrar que sua finalidade não tem força. 

Se no longa anterior Neves apresentava uma proposta mais sofisticada e com isso incorria de maneira mais efetiva em possíveis deslizes, em Maçãs no Escuro o terreno parece mais seguro. Sabemos onde suas incursões chegarão, e como suas opções estéticas irão reverberar no material como um todo. Ainda que suas intenções soem pouco exigentes, trata-se de um grupo de ideias coerentes e que se mantém honestas durante todo o tempo. Não há uma tentativa de mostrar inovação de formato porque o cineasta conhece muito bem sobre o que está filmando, sua zona de atuação e o que é capaz de extrair de seu protagonista. O resultado é imensamente humano, com as possibilidades de encontro sendo constantemente atualizadas e transformadas em material de afeto, ainda que remoto. 

Um grande momento

O diálogo através da porta

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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