Crítica | Festival

Espumas ao Vento

Perdido no caminho

(Espumas ao Vento, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Taciano Valério
  • Roteiro: Taciano Valério e Vanderson Santos
  • Elenco: Rita Carelli, Patrícia Niedermeier, Odécio Antônio, Tavinho Teixeira, Everaldo Pontes, Mestre Sebá
  • Duração: 101 minutos

Estamos passando por um momento muito assustador da nossa democracia quando, após o resultado das últimas eleições, parte da população se recusa a aceitar o resultado do pleito. Inúmeros bolsonaristas, depois de apoiarem um absurdo bloqueio das estradas, se amontoam em frente a quartéis em atos golpistas pedindo um novo golpe militar. O caminho até esse transe maligno foi percorrido com abusos constantes e é muito natural que se queira entender o que aconteceu para que o Brasil, um país que ainda estava aprendendo a ser democrático, se sentisse tão atraído por essas narrativas totalitárias.

É fato que o desconhecimento e a ignorância são fundamentais para o estabelecimento do fascismo, tipo de ideologia que dificilmente prospera quando não há uma corrente de desinformação. Portanto, minar a educação é um facilitador e, aqui pensando não só na educação formal, mas especialmente na cultura. Espumas ao Vento não tem uma pretensão específica de falar sobre o momento político atual, mas no caminho da sua trupe familiar, enquanto fala de relações afetivas e frustrações individuais, sem deixar de olhar para o estado das coisas – e aqui incluem-se pautas que vão desde o classismo até a pandemia de Covid-19 – trata sobre o tema. 

Um dos pontos principais do longa de Taciano Valério, uma farsa mambembe, é o contraste entre a perda do lugar da cultura popular e o avanço do abuso religioso, mais do que isso, da usurpação de símbolos, meios e espaços. Há bastante obviedade na mensagem, inclusive, desde a representação da figura máxima desse universo, Damiro (o nome fala por si), pastor da Igreja Baralho de Deus, onde o “Senhor Dá as Cartas”, dono de seu próprio boneco de mamulengo e entusiasta dos ensaios do grupo teatral dos fiéis. Em contraposição, está a companhia/família de Mestre Sebá e o encontro com a arte desde o princípio, na confecção dos bonecos, passando pela conflituosa criação do roteiro das apresentações e o próprio espetáculo.

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Espumas ao Vento
Jorge Luis Borges Borges/Cortesia do Festival de Brasília

Dessa linha principal desenrola-se, ainda que sem muito rumo certo, a trilha da vida de Aninha, uma corredora que não queria estar ali, mas não sabe como partir. Outras vidas interagem com ela, algumas mais incisivamente, como a de sua irmã; outras pelo acaso, como o crente palhaço, e outras ainda pela aleatoriedade do roteiro, como o amigo da sapataria ou os donos da loja. Nessa contingência, as questões da personagem vão e voltam, sem se estabelecer, assim como as outras temáticas maiores que a cercam. O que poderia ser um movimento interessante, curioso, que até casa bem com o nome do filme, acaba esvaziando sua força.

Para além da narrativa, Espumas ao Vento tem potência no conjunto cênico. Sua construção imagética é forte, com arte apurada de Carlos Mosca (99 Luas) e uma fotografia encorpada de Breno César (Casa e Os Últimos Românticos do Mundo). O trabalho com os atores, com um elenco com nomes como Rita Carelli, Patrícia Niedermeier, Odécio Antônio, Tavinho Teixeira e Everaldo Pontes, também impressiona, mas é como se o filme existisse em função deles e não o contrário. Embora o improviso traga bons momentos, a impressão é a de que muitas situações não conseguem se conectar, e aqueles que poderiam, estão enfraquecidos demais para durar. 

O fato de tentar partir de um único lugar para falar de tanta coisa também não ajuda Espumas ao Vento. Obviamente, termos uma situação latente tão assombrosa e chocante, independentemente de como o roteiro resolva essa questão, faz com que um dos temas se sobreponha aos outros, mas até mesmo com algo mais de força, isso se dissipa frente a eventos inusitados e que restam pouco convincentes. Diante de coisas tão sérias, é uma questão a ser levada em conta. Porém, fica o afeto e toda a potência do trabalho dos atores.

Um grande momento
Fazendo bonecos

[55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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