Crítica | Streaming e VoD

Air: A História por trás do Logo

Ode aos perdedores

(Air, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama, Comédia
  • Direção: Ben Affleck
  • Roteiro: Alex Convery
  • Elenco: Matt Damon, Ben Affleck, Jason Bateman, Viola Davis, Jullius Tennon, Chris Messina, Chris Tucker, Matthew Maher, Marlon Wayans, Jay Mohr, Barbara Sukowa
  • Duração: 110 minutos

Eu sei o que é ter 44 anos, olhar para a cara dos 45 e sentir: “é… parece que as coisas não deram certo… preciso me agarrar aqui nessa única oportunidade, e rezar para que ela seja duradoura”. Em outras palavras – mas com a mesma idade – é o que diz o personagem de Jason Bateman para o de Matt Damon em uma das muitas cenas melancólicas de Air: A História por trás do Logo (como o Brasil gosta de subtítulo cretino/ruim, meu Deus…). O filme mescla esse sentimento citado com uma efervescência de, enfim, perceber que a alcunha de ‘perdedor’ pode estar ficando para trás, mas que não falta medo ao processo como um todo. É como chegar a uma determinada idade, perceber quem deu certo ao seu redor, e decidir que não quer mais ser trampolim, e sim mergulhador, ainda que exista a possibilidade de afundar. 

Ben Affleck, como hoje podemos categorizar, é um diretor e roteirista que tentou ser ator, e ainda que não necessariamente tenha dado errado (não podemos esquecer que, inclusive, ele tem uma Coppa Volpi de melhor performance por Hollywoodland), esse deveria ser seu plano B. Affleck têm 50 anos, e junto de seu grande amigo Damon veio da ala proletária da indústria; estavam entre os garotos desajustados que demoraram a dar certo, e hoje estão em um panteão alto demais. Os Oscars por Argo não mudaram o quadro geral de uma indústria que ainda o olha como um intruso, e são desses tipos que sua carreira como realizador cuidou, um grupo de pessoas que não deu certo, definitivamente, e que não são felizes justamente por terem tentado tanto sem chegar a lugar algum. Ou seja, ele sempre fala sobre si e o seus. 

Air: A História por Trás da Logo
Ana Carballosa/Amazon Studios

Essa é sua quinta assinatura, e aqui finalmente ele encontra um veículo perfeito para falar desse grupo de pessoas que parece confortável onde está, mas isso é uma cortina de fumaça que muitas vezes eles ergueram para si mesmos. A história de Air: A História por trás do Logo, que é inusitada de ter sido filmada, diz respeito a contratação de Michael Jordan como garoto propaganda da Nike e a criação de uma linha de tênis exclusiva com seu nome, nos anos 1980. O histórico astro da NBA é pano de fundo para que encontremos Sonny Vaccaro e os caras que ele precisou destituir do pensamento de perder tudo (dinheiro, emprego, futuro, perspectiva… ou seja, a despedida do tal sonho americano) para construir o sonho particular. É como observar a singularidade que existe por trás da realização de algo que é vendido a todos, mas que poucos conseguem realizar; observar e apostar. 

Apoie o Cenas

Acima do olhar, Air: A História por trás do Logo é simplesmente delicioso de assistir, sob muitos aspectos. É uma espécie de viagem no tempo no muito do que a cultura americana do jeito que a conhecemos hoje estava florescendo, e servindo tanto Cindy Lauper quanto Um Tira da Pesada, ao mesmo tempo parindo Bruce Springsteen e os computadores pessoais. A montagem fluida de William Goldenberg, que consegue nos fazer compreender cada personagem sempre adicionando ritmo ao tratamento, é um ponto alto, assim como a fotografia aparentemente limpa demais de Robert Richardson (cheio de Oscar, por JFK, Hugo Cabret…). Essas duas searas colocam o filme no mesmo escopo onde estavam produções como Spotlight e Todos os Homens do Presidente, mesmo que a leveza vaticine o resultado para outro lado. 

Air: A História por Trás da Logo
Ana Carballosa/Amazon Studios

Mas talvez sejam a direção de arte e a caracterização (principalmente da figuração) que nos carregue a um ponto de reconhecimento mais afetivo. Todos crescemos vendo filmes em ambientes corporativos, grandes escritórios, redações de jornal, produzidos nos anos 80, e sabemos exatamente como recontar aqueles mapas geográficos de cabeça. Pois temos a exata noção em Air: A História por trás do Logo de que aqueles ambientes estão sendo reutilizados, tamanha a fidelidade com o período, e cada caminhada de cada ator por aqueles lugares, monta um painel reconhecível por filmes que criaram nossa cinefilia. Era o ponto inicial da tal terra das oportunidades que nós víamos muito distantes, e que geralmente eram estrelados pelos perdedores de suas épocas, alçados a heróis no fim de cada um. 

Ainda que seus perdedores anteriores acabassem se tornando heróis de alguma forma por salvar alguém ou um grupo, é quando os protagonistas de Air salvam a si mesmos, que Affleck acaba realizando seu título que poderia ser o mais simples, e acaba se tornando o de maior amplitude. A simplicidade que aparenta não esconde sua verdadeira vocação, de tratar seus pobres diabos como sobreviventes a um sonho que nunca existiu, senão orientando a própria individualidade. Não à toa, esse é e continua sendo o bem mais consumido da cultura estadunidense – seja você mesmo, e corra atrás do que te faz alguém melhor. E é com um belo plano que remete ao inesquecível Uma Secretária de Futuro que o filme deveria ter se encerrado, não apenas provando a máxima citada acima como mostrando. 

Um grande momento

O diálogo de aniversário

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo