Crítica | CinemaCríticas

Godzilla Minus One

Símbolos da dor

(ゴジラ-1.0マイナスワン, JAP, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Aventura, Drama
  • Direção: Takashi Yamazaki
  • Roteiro: Takashi Yamazaki
  • Elenco: Ryunosuke Kamiki, Minami Hanabe, Sakura Ando, Kuranosuke Sasaki, Hidetaka Yoshioka, Munetaka Aoki, Rikako Miura
  • Duração: 120 minutos

Nunca fui uma criança aficcionada por kaijus, o termo japonês designado para mídias que envolvem monstros gigantes. Cresci assistindo Jaspion e Changeman na extinta Rede Manchete, mas minha obsessão nunca passou muito disso. Por isso, Godzilla era para mim apenas mais um monstro oriental com muitos títulos no currículo mas que eu nunca tinha assistido nenhum até o fatídico Godzilla, de 1998, um negócio tosco que queria pegar carona no sucesso dos dinossauros de Spielberg. O Japão continuou fazendo suas versões muito mais respeitadas do seu conterrâneo, mesmo quando o Ocidente pareceu acertar, nos últimos anos. Pois bem, Godzilla Minus One é a minha primeira vez com o personagem falando sua língua original, e eu só posso dizer que vou assistir Shin Godzilla o mais rápido possível. 

O que mais mexe com o espectador é a forma como o filme é envolvido por um desespero real, com tensões muito verdadeiras e metaforizando um dos períodos mais devastadores para o Japão recente. Ambientado no exato período após o fim da Segunda Guerra Mundial, o clima por trás de Godzilla Minus One não é apenas e necessariamente de devastação estrutural, mas de um profundo sentimento de perda moral e afetiva. Essa sensação está em todos os momentos do filme, mesmo os que deveriam ser felizes. Existe uma sombra que cresce por trás de seus personagens cuja melancolia suga as energias restantes para continuar vivendo, e que deixa em seu lugar apenas um sentido de desconforto, um vazio avassalador que aponta para um futuro desconhecido. 

O monstro, ao aparecer em uma situação de reconstrução, de confiança e nova tentativa de preservação, resgata o sentido trágico presente na gênese japonesa. Sua aparição é, por si só, um retorno à guerra, à tragédia e a um valor que o povo nipônico convive por toda sua História: a derrota. A cada nova entrada em cena, Godzilla reorganiza visualmente as lembranças relacionadas a especialmente Hiroshima e Nagasaki, cidades dizimadas pelo lançamento da bomba atômica, que Godzilla Minus One reproduz com assustadora minúcia visual. É como se a criatura fosse ela mesma uma reimaginação daquele horror e reproduzisse com fidelidade os resultados imagéticos do que nos foi legado visualmente das explosões. 

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Ao público de frente para o telão, todo tipo de ambiguidade surge durante a sessão de Godzilla Minus One. Existe a excitação para a melhor possível realização de um típico filme de monstros gigantes, com a gravidade de seus atos sendo condizente com a maravilha infantil de acompanhar uma destruição em larga escala, onde o que está em cena é o melhor aproveitamento possível dessas características, de maneira sincera. E existe o retrato muito fiel a respeito do resultado emocional sobre um povo que não cansa de ressurgir de cinzas constantes, cada vez mais diluído pela dor e pelo desencanto. É muito raro testemunhar algo parecido acontecendo, a mente em constante turbilhão de provas diante do que vê, o maravilhamento diante do mais profundo horror. 

Além de tecnicamente ser das superproduções mais meticulosas recentes, Godzilla Minus One tem essa qualidade plus, que é a de nos fazer se importar enormemente pelo que vemos, e pelo que sentimos junto de seus personagens. Filmes de monstro geralmente tendem a nos fazer torcer pelos próprios, que geralmente tem uma tendência à inteligência que nenhum humano apresenta. Aqui, o diretor e roteirista Takashi Yamazaki se cerca de um momento histórico tão marcante, que cria aquele sentimento entre seus personagens não só se constitui como óbvio. Além disso, o filme discute as bases de dogmas muito marcantes para aquele povo, como a honra e o dever em tempos de guerra, e como isso se reflete nas vidas para além do conflito bélico. 

O sucesso de Godzilla Minus One nos cinemas do mundo todo (incluindo Brasil e EUA) é a prova da aceitação de uma obra tão singela dentro de seu escopo agigantado, e que o povo não está desistindo do blockbuster; nunca estará. As pessoas querem apenas histórias bem contadas, com situações, pessoas (incluindo a imensa Sakura Ando, de Monster) e imagens pelo qual possamos sentir algo, qualquer coisa. Não é um acerto comum o que Yamazaki promove em sua estreia, algo que os Zack Snyder da vida não conseguem imprimir nem 10%. Que isso além de tudo resulte em espetáculo visual de primeiríssima grandeza, é o tal caso de exceção que confirma a regra; façam bons filmes que todas as restrições cairão por terra. 

Um grande momento

O primeiro ataque à cidade

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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