Crítica | Festival

Na Cabine de Exibição

O projeto que nasceu sem ser

(The Viewing Booth, EUA, ISR, 2019)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Ra'anan Alexandrowicz
  • Roteiro: Ra'anan Alexandrowicz
  • Duração: 79 minutos

Há uma conexão assumida entre Maya e sua imagem captada, entre quem a gera seu espelho e ela própria. É o fascínio que nasceu com George Orwell, do olho do Grande Irmão que capta não apenas nossa presença, mas também ressignifica nossas imagens e o que criamos para nos projetarmos. Nossa imagem traduz exatamente o que gostaríamos de transmitir? Ao observar as certezas de Maya e vê-la imutável, o núcleo de Na Cabine de Exibição cede às próprias indecisões; suas metas são desconstruídas diante de uma personagem que desconcerta. Respostas simples não são permitidas, e é assim que o diretor esgota suas tentativas de criar um laço com uma figura com quem sua empatia vibra, mas cujos conceitos lhe fogem.

O filme nasce da necessidade de encarar um experimento. Vídeos disponibilizados na internet com ações de grupos extremistas são exibidos para um grupo de jovens estudantes com alguma ligação (afinidade familiar ou não) com o tema. A ideia partia daí, os sete jovens estudantes deveriam ver cada imagem e reportar suas relações com as mesmas, tivessem elas quaisquer natureza. Mas dentre essas cobaias surge Maya, e uma espécie de aproximação/atração surge entre o diretor Ra’anan Alexandrowicz e as colocações da jovem, que simplesmente não se encaixa no que se espera dela e desconstrói as expectativas em torno de si.

Na Cabine de Exibição

É com esse painel criado, de um projeto que nasce natimorto, para dar lugar a um filme – verbalizado pelo próprio diretor, essa ideia só ocorre com a chegada de sua futura protagonista – que também ele não sai exatamente como se planeja, Na Cabine de Exibição é, antes de tudo, um estudo sobre a relação com a desconstrução dos signos e das ideias previamente concebidas, ou seja, uma reflexão sobre o desapontamento. O diretor elabora uma voz em off que vai da excitação com as camadas possíveis de exploração diante de um quadro ainda sendo pintado, até o desespero resignado diante da não-aceitação de sua personagem em se encaixar em arquétipos, tudo isso sem explorar essa verbalização para além do necessário.

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O segundo dado de leitura diz respeito ao olhar de negação à imagem. Maya se recusa a acreditar ao que é submetida enquanto espectadora, tanto passiva quanto ativa, literalmente. Sua sutil ironia diante do que considera um jogo de encenação reflete os sentimentos que irá aprofundar meses depois, quando for pressionada a observar o jogo dentro do jogo; levada a mergulhar em seu próprio trabalho imagético, ela reage com um misto de sensações que nunca se adequa ao que Alexandrowicz espera de si, além de reafirmar que não consegue aceitar as imagens prévias como reais. Em tese, Maya insurge ao plano de ação que se desenhou pra si e recusa a ser mais uma atriz em estado representativo que ela mesma denuncia.

Na Cabine de Exibição

Se o trabalho de construção de planos e atmosfera parece simplista a princípio, é também Maya a responsável por reinventar os padrões, ao detalhar esse mesmo lugar onde foi colocada e permitir-se roubar as marcações à sua disposição, reinterpretando os códigos pretendidos em cena. O perfil da entrevistada, a lente à sua frente de maneira invasiva, tudo é alvo de uma figura que promove anarquia dentro de um projeto que nasceu sob a égide do próprio caos; que essa personagem seja uma mulher jovem, oprimida pela sua descendência, só subverte esse projeto ainda mais, que vai se retorcendo inteiro diante de cada negativa encarada.

Em um rascunho de proposição que se transmuta em diferentes estágios de projetos e se recusa a ser qualquer um deles, que o diretor e sua espinha dorsal encontrem sentido na observação de imagens que negam sua veracidade para promover estágios diferentes de negação, camadas múltiplas de recusas, para então chegar a uma conclusão fugidia e bem simples: a subjetividade não será alcançada por quem não permitir o direito à livre capacidade de não aceitar o que lhes é imposto. Pra finalizar, a diversão que é observar um homem que não compreende o feminino, e assume sair do jogo mais perdido do que entrou, quebrado pela certeza da mulher.

Um grande momento
O retorno de Maya

[9º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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