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O Menu

Sobre a mesa

Cores, sabores, texturas. O tempo e consistência; reduções, desconstruções e invenções moleculares; combinações e precisão no empratamento. Existe um fascínio em torno do universo da alta gastronomia. Estão aí dezenas de programas sobre a arte da culinária como Chef’s Table, Iron Chef e Final Table que não deixam mentir. Existe também toda uma discussão sobre o ato de alimentar-se ou preparar a comida afastar-se tanto do natural. Mais do que isso, a estetização e a elitização dominarem o meio em um mundo onde a fome é uma realidade.

No confronto da refinação e futilidade, O Menu, filme dirigido por Mark Mylod, vai buscar, em uma ilha isolada, na exclusiva experiência gastronômica de um grupo de pessoas rasas e esnobes, o espaço ideal para criticar o elitismo. Sentados no salão, os triplo A, aqueles que se dispõem a pagar o preço de um Rolex por uma refeição porque sim: o casal de clientes habituais, os diretores de uma empresa de tecnologia, a crítica renomada, o ator de filmes de ação do passado, o pretenso conhecedor de tudo sobre a alta culinária e seus acompanhantes. Todos estão prestes a serem expostos e confrontar os próprios privilégios, num divertido e inusitado suspense/terror.

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Tudo é muito sofisticado na Ilha de Hawthorne e a elegância é ressaltada pela fotografia de Peter Deming (Mulholland Drive) que capta não só a beleza natural do lugar e brinca com a estética do filmar comida, hoje tão em voga, e com seu transitar pelos corpos na maior parte do tempo confinados naquele salão integrado com cozinha traz a tensão crescente. A crítica também está ali quando deixa no canto do plano o sanitário prateado do alojamento. Aliás, os detalhes do desenho de produção de O Menu, assinado por Ethan Tobman (do vídeo-album Lemonade, da Beyoncé) e com direção de arte de Lindsay Moran (Tudo Que Quero) e cenografia Gretchen Gattuso (O Pálido Olho Azul) são impressionantes para além da criatividade com a elaboração dos pratos. Da casa de proteínas ao impecável restaurante propriamente dito, tudo é minuciosamente pensado para chegar ao que mais elegante pode haver, mesmo que o que esteja mostrando seja terrível.

Mylod, depois de mais de uma dezena de episódios a frente do seriado Succession, é alguém com habilidade em criticar esse universo da menor fatia da humanidade mundial com tanto que não consegue nem mesmo imaginar quanto seja e já sem noção de fronteiras. Ao mesmo tempo em que fala de exploração e fascínio, de classismo e soberba, ele constrói um thriller de encher os olhos, insano e delicioso. Ainda que os personagens não sejam equilibradamente trabalhados, o diretor dá tempo a cada um deles e cria a conexão ao transitar por entre as mesas e suas conversas, sem que elas tenham fim ou se complementem em momentos diferentes.

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A suspense vai se construindo aos poucos. Numa lancha que parte, em posturas suspeitas e situações, algumas veladas e outras nem tanto assim, de embaraço e constrangimento que se sucedem. O modo como o diretor lida com o ritmo é competente, especialmente pelo modo como ele integra os movimentos do chef e de sua cozinha na própria narrativa, como uma marcação para a própria história.

O roteiro de Seth Reiss e Will Tracy é fluido e, já que estamos falando de gastronomia, bem harmonizado. Como na construção de um bom menu, tem as etapas bem pontuadas e sabe escolher os ingredientes para chegar ao horror pelo caminho do excêntrico. Seus personagens também são peças-chaves para marcar a cadência do filme. Em especial, três deles, Elsa (Hong Chow, de The Whale), a hostess que desperta a ansiedade; Slowick (Ralph Fiennes, de O Jardineiro Fiel), o chef que gera a ação, e Margot (Anya Taylor-Joy, de A Bruxa), a que, como o público, tudo vê e percebe, dando vazão e razão ao thriller.

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O Menu chega como mais um filme a expor e rir, embora de forma mais ansiosa, dessa classe triplo A, assim como fazem Triângulo da Tristeza e Glass Onion. É divertido como a trama vai nos envolvendo em uma espiral insana de acontecimentos, criticando a frivolidade e a submissão e subserviência, tratando as relações de poder que se distribuem nas mesas pelo salão e estão ali tão evidentes na cozinha. Temas como corrpupção, fama e machismo e até mesmo solidão vão dividindo espaço com o nada que se impõe em uma vida de aparências.

Nesse mundo onde a fome é a realidade da maioria e essa super exclusiva alta gastronomia dos mestres renomados, uma realidade experimentada por uma infimíssima parcela da sociedade, aquela reunião na Ilha de Hawthorne é um prato cheio para a ficcionalização e o exagero em cima do óbvio.

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Um grande momento
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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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